Em meados dos anos 90, num sábado à noite, por volta das 19 horas, eu havia acabado de chegar em casa depois de ter passado um dia de lazer numa chácara quando o telefone tocou. Do outro lado da linha o Diretor Geral: – Precisamos de você aqui numa operação. Ligamos a tarde toda…venha para cá urgente!!
Sem perguntar do que se tratava, saí imediatamente rumo a Rua D. Pedro II, esquina com Elias Gorayeb. Ao checar ao local, há uma quadra abaixo, deparei com um cenário impressionante de ruas fechadas, várias viaturas da PM e PC, ambulância e repórteres e muitos curiosos que se apinhavam sobre muros, nas janelas das casas, enfim, era uma grande operação. Após identificar-me aos PMs que insistiam que eu não poderia acessar o local, fui acompanhado até onde se encontrava o comando da operação, onde ouvi o seguinte relato: – Um homem, com idade perto dos 30 anos, havia sido avistado com uma arma na cintura, caminhando por aquela via pública, próximo à Av. Sete de Setembro. Os transeuntes que o avistaram e perceberam a arma, avisaram aos integrantes de uma viatura da PM que se aproximou pra abordá-lo. O homem empreendeu fuga, sendo perseguido até a esquina com a Rua D. Pedro II, onde invadiu o espaço de um bar, entrou no banheiro localizado na área externa, cuja porta ficava de frente para rua. Com a aproximação dos policiais ele, acuado, sacou a arma e apontou para a própria cabeça, ameaçando se matar caso se aproximassem. Isso aconteceu por volta das 10 horas da manhã. A PC foi acionada para negociar com o “suposto suicida” e a operação transcorreu o dia todo, sendo que as tentativas de demovê-lo da ideia de se matar e se entregar não avançaram.
Foi-me dito também que se tratava de um “esquizofrênico”, ou seja, portador de um distúrbio mental denominado “esquizofrenia”, doença cuja característica é a despersonalização, delírios persecutórios/paranóides (medos de estar sendo seguido e ameaçado) e intensas alucinações. Essa era a razão dele levar tão intensamente a sua decisão, correndo mesmo o risco de se atirar e por fim à própria vida para não ser preso. Quanto mais policiais, quanto maior o cerco, maior a paranoia (medo) e menor as chances de se entregar.
Aproximei-me do portão de onde podia visualizá-lo de longe e imediatamente ele apontou o revolver na minha direção e depois voltou-o para a própria cabeça. Seu olhar expressava mais desespero do que maldade. Retornei à base e perguntei ao Delegado como souberam da doença do rapaz e me foi dito que através de um documento, pois na fuga ele teria deixado cair sua carteira e assim foi possível identificar sua origem. Pelo sobrenome obtiveram um número do telefone e conseguiram contato com a sua mãe no Rio de Janeiro, uma advogada destacada naquela cidade. Ela relatou que o filho era doente, que havia passado por diversas internações psiquiátricas e que até aquele momento ela não tinha notícias dele, pois havia desaparecido de casa havia dois dias. Soube-se assim que ele havia chegado à PVH naquele mesmo dia, sozinho e sem o conhecimento da família. Por medo, tratou logo de obter uma arma ali nas imediações da rodoviária e saiu pelas vias próximas deixando visível o 38 na cintura.
Diante dessa informação pedi que ligassem novamente para a mãe dele pra que eu pudesse colher mais detalhes, pois tendo conhecimento do quadro paranoide que caracteriza a doença, haveria de encontrar um recurso eficaz para minimizar esse medo, já que o cenário à sua volta o acentuava e prejudicava o sucesso da operação. Por telefone ela confirmou que o filho era mesmo doente e que tinha atestado da sua insanidade. Perguntei-lhe se havia algum apelido, um tratamento íntimo, familiar, especial, que ele pudesse reconhecer como algo que o
remetesse à família. Ela então me disse: Toinho! Só eu o chamo de Toinho!! Agradeci e encerrei a conversa, pois já tinha a estratégia de como abordá-lo. Disse então a Delegado que iria me aproximar para ficar com ele convencê-lo a se entregar. Trouxeram-me então um colete a prova de bala, que eu recusei, pois estando escrito no peito a palavra POLÍCIA, seria visto por ele como ameaça. – “Mas é norma de segurança. Não pode ir lá sem usar a proteção” – disse-me o Delegado. Sugeri então que o vestiria por baixo da camisa para disfarçá-lo e assim foi feito.
Voltei até o portão de onde dava para observá-lo e o chamei conforme o tratamento que a mãe havia me informado: – “Toinho, Toinho…!” A reação dele foi de surpresa ao ouvir esse chamado. Era evidente que sentiu-se acolhido, como se um parente próximo estivesse ali.
Eu prossegui: – “Falei com sua mãe a dona (citei o nome dela para dar mais credibilidade e intimidade) e ela pediu para eu ficar com você. Sou psicólogo e vou te acompanhar. Vou entrar agora, não se preocupe! Baixe essa arma e fique tranquilo…estou entrando…calma…” e segui falando e o distraindo enquanto me aproximava.
O rapaz me olhou com um misto de alívio e espanto, ficou estático durante uns segundos e em seguida baixou a arma conforme eu havia lhe pedido. Caminhei rumo ao seu “abrigo” e já estava há uns dois ou três metros da entrada, quando PMs, aproveitando a distração e que ele havia baixado a arma, invadiram o local e o imobilizaram numa ação rápida e perfeita. Nem eu os tinha visto ocultos na escuridão dos arredores, vestidos de preto. O rapaz foi imobilizado e eu o acompanhei para tranquilizá-lo durante alguns minutos e então foi conduzido à Central de Polícia para as devidas providências.
Encerrou-se assim uma negociação que consumiu 10 horas de trabalho. Foi necessária muita calma, sabedoria e técnica por parte da equipe, pois qualquer ação precipitada poderia culminar numa tragédia para aquele jovem fragilizado pela doença mental.
Naquela madrugada a mãe chegou a Porto Velho e cuidou da situação legal do filho.
Esse caso foi noticiado pelos jornais na época, inclusive pelo programa Dalton Di Franco, que destacou a eficiência na condução da negociação.
Jair Queiroz é policial aposentado e psicólogo