Quando um agente público pede, aceita ou recebe, para ele ou para outra pessoa, vantagem indevida em razão do cargo que ocupa, ele comete o crime de corrupção passiva. Em cinco anos, um servidor público foi preso a cada quatro dias por esse crime. A Polícia Federal abriu quase que diariamente um inquérito para investigar a ilegalidade. Levantamento do Correio/EM feito com base em números da Polícia Federal mostra que, entre 2013 e 2017, foram abertas 1.373 investigações contra servidores públicos suspeitos de corrupção passiva. No mesmo período, 73 pessoas foram presas em flagrante e outras 407 tiveram mandados expedidos.
Nos últimos dois anos, o número de prisões aumentou. Entre 2016 e 2017, a quantidade de presos por esse crime saltou de 150 para 228 funcionários públicos: alta de 52%. Para se ter dimensão do volume de prisões, é como se de 1º de janeiro de 2017 até 16 de agosto do mesmo ano, todo dia um agente público tivesse sido preso. Entre as unidades da Federação que mais abriram inquéritos para investigar esse tipo de crime estão Paraná, Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Minas Gerais e São Paulo.
Além das prisões, também cresceu a quantidade de demissões por conta de corrupção. No ano passado, 66% dos servidores federais pegos em irregularidades acabaram expulsos por ligações com o crime. Das 506 pessoas que perderam o emprego, 335 foi esse motivo, segundo a Controladoria-Geral da União (CGU). Entre os motivos estão valimento do cargo em proveito pessoal, recebimento de propina ou vantagens indevidas, improbidade administrativa, entre outros.
No primeiro trimestre deste ano, órgãos e autarquias do governo federal expulsaram 142 agentes públicos — número recorde no comparativo ao mesmo período desde o início da série histórica, em 2003. O principal motivo das expulsões: corrupção. Foram 89 penalidades aplicadas.
O Código Penal Brasileiro prevê pena de até 12 anos, além do pagamento de multa, em caso de condenação por corrupção passiva. O levantamento da Polícia Federal abrange servidores públicos das três esferas de governo: municipal, estadual e federal. Foram presos, por exemplo, prefeitos, secretários de Estado, entre outros agentes. Especialistas explicam que o envolvimento de servidores em organizações que desviam verbas públicas é vital para as ilegalidades. Os criminosos precisam da ação de funcionários públicos para desviar verbas e fraudar licitações, por exemplo.
Para Dalton Sardenberg, professor da Fundação Dom Cabral do programa Conselheiros para Estatais, o contexto atual de baixa tolerância da população brasileira quanto à corrupção coloca as empresas e órgãos públicos em estado de constante vigilância. “O risco reputacional se tornou o motivo de preocupação das organizações”, explica.
Ele defende a instalação de mecanismos para dificultar ilicitudes. “(Essas ferramentas são) necessárias para a proteção de qualquer natureza de organização, mitigando riscos e preparando a empresa ou órgão público para redução de pena em caso de alguma falha nos controles e existência de funcionário que tenha cometido algum ato de não conformidade”, argumenta Dalton.
Lava-Jato
O aumento das prisões e de demissões têm justificativas variáveis. A Polícia Federal pode estar mais atuante em determinados estados, o número de servidores públicos aumentou em determinados grupos, e até a mudança de métodos de investigação dos órgãos públicos deve contribuir. Alguns especialistas acreditam que os critérios de apuração da Operação Lava-Jato, deflagrada em março de 2014, foram disseminados em outras investigações, como o cruzamento e a análise de documentos de tribunais de contas e o uso de conduções coercitivas e de delações premiadas.
Investigação depende de informação. Nisso, as delações premiadas têm contribuído nas apurações, destaca o advogado especialista em direito constitucional e criminal Adib Abdouni. “Essa forma de buscar informação faz com que os investigados abram o leque e acabem descobrindo o envolvimento de um número maior de pessoas”, explica. Ele emenda. “A situação da vantagem é que determina a condenação, se foi financeira, em espécie”, conclui.
Até o julgamento do mensalão, escândalo de compra de votos de parlamentares, havia um entendimento que, para crimes de corrupção passiva, era necessária a comprovação documental de favorecimento ilícito, juridicamente o “ato de ofício”. No entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), isso passou a ser agravante de pena e não fator de condenação. Outra mudança é que a Corte entendeu que o fato de um agente público ter recebido dinheiro ou qualquer outro benefício já configura corrupção passiva, seja parlamentar ou não.
O que diz a lei
O artigo 317 do Código Penal Brasileiro diz que solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem é crime com pena de reclusão, de dois a 12 anos, e multa. “A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional”, destaca o texto. Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem: a pena de detenção é de três meses a um ano, ou multa.
Fonte: Estado de Minas,