Em palestra na Procuradoria da República em São Paulo, juiz defendeu que a população se mobilize para promover mudanças políticas, legislativas e culturais. Para ele, país pode ter retrocessos no combate à corrupção, a exemplo da Itália
Sérgio Moro: “O que muda o país são instituições fortes. É preciso promover mudanças políticas, legislativas, culturais”
Responsável pela condução da Operação Lava Jato na Justiça Federal, o juiz Sérgio Moro demonstrou ceticismo quanto às consequências das descobertas e dos julgamentos do esquema de corrupção na Petrobras, apontado por investigadores como o maior da história do país. Em palestra dada nesta sexta-feira (28) na Procuradoria da República em São Paulo, Moro convocou a população a se mobilizar contra a corrupção. Segundo ele, a mobilização popular – e não a Lava Jato – é que vai mudar o Brasil.
“O que muda o país são instituições fortes. É preciso promover mudanças políticas, legislativas, culturais. A sociedade tem condições de pleitear isso, muito mais do que os agentes públicos”, afirmou o juiz. “Se o caso da Lava Jato contribuir de algum modo para esse processo, ficarei feliz”, acrescentou.
O juiz federal citou a Operação Mãos Limpas, desencadeada na Itália no início da década de 1990, como exemplo de que o combate a um grande esquema de corrupção pode fazer barulho em determinado momento, mas ter avanços limitados e até reversíveis posteriormente. De acordo com Moro, passado o impacto da prisão de políticos e agentes do Estado e das revelações de um quadro de corrupção sistêmica na Itália, parlamentares italianos adotaram medidas que reverteram os avanços no combate à corrupção. Vários políticos envolvidos no esquema praticamente foram anistiados, ressaltou.
Embora mais de 5 mil pessoas tenham sido investigadas na Mãos Limpas, 40% dos casos levados à Justiça não tiveram julgamento, observou. Para ele, há risco de situação semelhante ocorrer no Brasil após a Lava Jato. “O retrato é de uma grande oportunidade de mudança que se perdeu. O Brasil deve ficar atento às lições que vêm da Mãos Limpas”, advertiu.
Até a última sexta-feira (21), Moro já havia acatado denúncias do Ministério Público Federal (MPF) contra 143 pessoas por crimes como corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e envolvimento em organização criminosa. Dessas, 33 (23% do total) já receberam sentenças em primeira instância. Ainda cabem recursos em tribunais regionais federais (TRFs), no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou mesmo Supremo Tribunal Federal (STF). Somadas as condenações de todos os réus, chega-se a impressionantes 337 anos e 5 meses de detenção, até o momento, como mostrou o Congresso em Foco (veja quem já foi condenado até agora).
Controvérsias sobre lavagem
Na palestra, cujo tema central era lavagem de dinheiro, Sérgio Moro apontou dois pontos controversos da atual legislação sobre o assunto. O primeiro diz respeito à conexão entre a prática de ocultação da origem dos valores e o crime que a antecedeu, para que fique caracterizada a lavagem.
Segundo o juiz, em casos de corrupção, nem sempre esse nexo está presente, pois geralmente o corrupto recebe dinheiro limpo para, então, praticar o delito. Ele disse que, mesmo assim, em sua avaliação, é possível condenar um réu por ocultação de bens caso o crime anterior esteja associado ao suborno. Moro afirmou que aplicou esse entendimento ao condenar diretores da Camargo Corrêa e da OAS pelos dois crimes (lavagem e corrupção), já que os valores pagos ao ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa provinham do montante obtido ilicitamente por meio de formação de cartel e fraude em licitações. Ou seja, vinha de dinheiro sujo.
O segundo ponto que precisa ser mais bem definido pela legislação, na opinião dele, diz respeito à autoria da ocultação da origem de valores ilícitos. Muitas vezes, observou, a lavagem costuma ser feita por terceiros, como os chamados doleiros. Muitos juízes têm posições diferentes na hora de examinar casos em que o agente terceirizado nega ter conhecimento sobre a procedência ilegal dos valores movimentados. “Ainda não temos muitos precedentes, a jurisprudência quanto a essa questão é escassa”, admitiu.