Josias de Souza
Numa tentativa de desqualificar o processo de impeachment deflagrado na Câmara, Dilma Rousseff passou a difundir uma versão marqueteira das chamadas pedaladas fiscais. Ela diz estar sendo julgada porque direcionou verbas aos brasileiros mais pobres, fornecendo-lhes um teto por meio do programa Minha Casa, Minha Vida. A alegação não orna com os fatos. As constituem apenas parte das acusações que constam do pedido de impeachment. E elas beneficiaram mais os grandes empresários pendurados na carteira de empréstimos do BNDES do que a clientela pobre que busca financiamento para casas populares nos guichês da Caixa Econômica Federal.
No relatório em que rejeitou a prestação de contas do governo Dilma de 2014, o TCU orçou as pedaladas do ano passado em R$ 40,2 bilhões. São atrasos de repasses do governo a bancos públicos por pagamentos de programas e subsídios que deveriam ser bancados pelo Tesouro Nacional. A lei proíbe empréstimos de bancos públicos ao governo.
O atraso nos repasses foi maior no BNDES, no âmbito do PSI, Programa de Sustentação do Investimento, uma linha de crédito subsidiado mais conhecida como “bolsa empresário”. Nesse item, as pedaladas somaram R$ 12,1 bilhões —ou 30% do total.
Vêm a seguir: R$ 10,69 bilhões (26,59%) que o governo segurou do FGTS; e R$ 9,74 bilhões (24,2%) do Banco do Brasil, responsável pelo financiamento da safra agrícola. Só então aparece, em quarto lugar, a Caixa Econômica, agente financeiro do Minha Casa Minha, Minha Vida, que amargou atrasos em repasses que somaram R$ 7,66 bilhões (19,05%).
Deve-se o levantamento dos dados à assessoria técnica da liderança do DEM na Câmara. Escorado nos números, o deputado Mendonça Filho (PE), líder da legenda, ironiza a linha de defesa adotada por Dilma: “As casas respondem pela menor fatia dos programas pedalados. A presidente não deveria se orgulhar disso. Precisa aprender que não é necessário descumprir a lei e a Constituição para construir casas populares. Até porque a população pobre é a que mais sofre com os desequilíbrios econômicos que levam à recessão, à inflação alta e ao desemprego.”
O ano de 2015 está terminando e a dívida remanescente das pedaladas de 2014 ainda não foi liquidada. Em documento remetido ao Congresso, o Ministério da Fazenda estimou que a cifra de R$ 40,2 bilhões mencionada no documento do TCU saltará para R$ 57 bilhões no final de dezembro. Dificilmente os bancos públicos verão a cor desse dinheiro em 2015. Desrespeitou-se a Lei de Responsabilidade Fiscal.
De resto, o pedido de impeachment formulado pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Junior e pela advogada Janaína Paschoal acusa Dilma de continuar pedalando o Orçamento em 2015. Ou seja, a ilegalidade invadiu o segundo mandato. Dilma é acusada de editar neste ano seis decretos que autorizaram gastos de cerca de R$ 2,5 bilhões sem a obrigatória aprovação do Congresso e “sem a comprovação de que haja compatibilidade com a meta fiscal”, como exige a lei.
Há dois dias, ao entregar 2.992 chaves do programa Minha Casa, Minha Vida, em Boa Vista (RR), Dilma disse coisas assim em seu discurso: “O Orçamento do país tem de ser olhado do ponto de vista daquilo que você gasta e para quem você gasta. O ‘para quem‘ é o mais importante. Uma das razões para que eu esteja sendo julgada hoje é porque eles acham que nós não gastamos, não devíamos ter gastado, da forma que gastamos para fazer o Minha Casa, Minha Vida.‘‘ No caso das pedaladas, ao se perguntar “para quem?”, Dilma decidiu ser mais generosa com a turma do BNDES.