Uslei Marcelino
Josias de Souza
A corrupção em Brasília, uma cleptomania incurável, atingiu o seu ponto mais alto nas articulações a favor e contra o impeachment. Desapareceu até o recato. Os palácios da Alvorada e do Jaburu, projetados por Oscar Niemeyer como residências oficiais do presidente e do vice-presidente da República, foram transformados em casas da Mãe Joana. Sob seus tetos modernistas, pratica-se o troca-troca sem culpa, o vale-tudo sem ressalvas.
Quem não quiser perder a compreensão do que está acontecendo deve levar em conta o seguinte: Dilma Rousseff e Michel Temer negociam o futuro do país com o rebotalho do mensalão e do petrolão. Fazem isso com a mesma pose de líderes realistas obrigados pelas circunstancias a lidar com políticos viciados.
Dilma adota meios sórdidos para alcançar o nobre fim de evitar um golpe contra os valores democráticos. E Temer manda às favas qualquer perspectiva de revisão das práticas que conspurcam a política sob o pretexto de livrar o Brasil da delinquência fiscal e do atraso petista. Ambos oferecem a nódoas como PP, PR e assemelhados a oportunidade de obter prontuários limpos e novos negócios.
Num comício para militantes petistas, Lula resumiu assim a cena: “É uma guerra de sobe e desce. Parece a Bolsa de Valores. O cara está com a gente uma hora e, em outra, não está mais.” O que o morubixaba do PT declarou, com outras palavras, foi o seguinte: os homens de bens da Câmara acompanham a cotação de Dilma e Temer, para investir seus votos naquele que oferecer as melhores perspectivas de lucro. Nesse mercado, você, caro contribuinte, entre com o prejuízo.
A convivência com o vício manjado tem um lado prático. Com ou sem impeachment, não será necessário organizar sondagens sobre o apetite dos aliados. Basta que Dilma ou Temer abram as gavetas para resgatar os anseios de mensaleiros e petroleiros. Gente como o condenado Valdemar Costa Neto, o mandachuva do PR, que saltou subitamente da prisão domiciliar para a ribalta.
Valdemar, citado aqui por ser o exemplo mais notório da desfaçatez, brilha no submundo do fisiologismo há mais de duas décadas. Ele tem experiência em impeachment. Na derrubada de Collor, quando o PR ainda se chamava PL, apressou-se em obter posições sob Itamar Franco. Nessa época, tinha uma queda pela Receita Federal. Ganhou a inspetoria da alfândega do Aeroporto de Cumbica. Ali, mandava mais que FHC e Rubens Ricupero, os ministros da Fazenda de então.
Em declaração de 1995, dada à Folha, Valdemar explicou o porquê do apreço pelo fisco: “Você imagina se tem um cara de poder com problemas na Receita. Você chega e pergunta se o cara pode te arrumar uns 3.000 votos. Você livra o cara e está eleito‘‘. Sobre a alfândega: “O pessoal chega do exterior e pede para liberar a bagagem (…). Às vezes eu mandava um fax pedindo a liberação‘‘.
A farra das nomeações políticas na Receita acabou com a chegada do técnico Everardo Maciel. Mas Valdemar era apenas líder de um periférico PL. Hoje, controla o PR como um cartório de sua propriedade. Do modo como o tratam, vai acabar nomeando não um inspetor de alfândega, mas o secretário da Receita Federal.
De um líder político se espera que fixe padrões morais para os seus liderados. Diante das extravagantes negociações firmadas no Alvorada, no Jaburu e em anexos como o quarto de hotel que Lula converteu em bunker, não sobra no palco nenhum ator capaz de se firmar como uma liderança ética. A cruzada do impeachment descerá aos livros como um marco da falta de ética cujo epílogo será um acordo para livrar Eduardo Cunha da cassação.
Devagarinho, o fisiologismo e a imoralidade vão deixando de ser percebidos como parte do sistema. Passam a ser vistos como o próprio sistema. Tão integrados ao cenário brasiliense quanto as curvas dos palácios de Niemeyer.