“Descobrimos que Deus te aceita assim, que você pode ser evangélico e ser gay. Então, nos apaixonamos pela igreja e um pelo outro”, conta um dos noivos
Junia Oliveira
Arquivo Pessoal
O friozinho na barriga insiste em aparecer. Em dia de noivo, nada como cuidar de mãos, pés e cabelos. O pó no rosto para disfarçar aquelas ruguinhas de expressão também é essencial. Não tem jeito, faltando poucas horas para dizer o “sim”, ansiedade e nervosismo falam mais alto, apesar de todos os mimos e técnicas para relaxar. Na tarde deste sábado (9/7), mais um casal fez juras de amor eterno, fidelidade e companheirismo. E para o pastor Daniel Marcos Domingos de Castro, de 33 anos, e o diácono Gulherme Medeiros Fraga Castro, de 31, a união é ainda mais especial, pois representa uma quebra de preconceitos e uma prova de que o amor sempre vence.
A cerimônia num sítio, em Sete Lagoas, na Região Central de Minas, bem no fim da tarde, ocorre para que o pôr do sol também se encarregue de iluminar momento tão especial. Os noivos são da Igreja Contemporânea, fundada em Belo Horizonte em 2010 e conhecida por ter maioria de fiéis homossexuais. Na presença de amigos e familiares, o casamento foi celebrado pelo pastor Fábio Inácio, do Rio de Janeiro. Ele e Marcos Gladstone, também pastor, foram os fundadores da Contemporânea e o primeiro casal gay de pastores a se casar no país. No Rio, eles foram os primeiros a registrar a união estável em cartório, após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Sempre tive vontade de me casar, mas era privado disso, tanto pela legislação, que só permitia união estável, quanto pela igreja”, afirma Daniel. Ele conheceu Guilherme, com quem está há cinco anos, em 2009, quando descobriram a igreja no estado fluminense. Durante um ano, eles viajavam todos os fins de semana para os cultos, até a instalação do templo em BH. “Sou de família tradicional evangélica e meu companheiro, quando se converteu, também numa igreja tradicional, se identificava como homossexual. Tive todas as crises de identidade com relação à igreja e fiquei sem contato com ela por causa da discriminação que ocorria e da forma tradicional de se pensar. Quando pisamos na Contemporânea foi amor à primeira vista, pois descobrimos que Deus te aceita assim, que você pode ser evangélico e ser gay. Então, nos apaixonamos pela igreja e um pelo outro”, conta.
O casamento está sendo preparado há três anos. Por causa da representação bíblica do número sete, esse será o número de casais de padrinhos de cada noivo, entre héteros e homossexuais. Daniel diz estar mais tranquilo, apenas esperando o momento chegar. Guilherme, por sua vez, que é cabeleireiro, começa a se preparar entre um atendimento e outro. Vai trabalhar até as 12h e, depois, se dedicar integralmente ao seu dia de noivo, com direito a tirar cutícula, para ficar com a mão bem bonita para receber a aliança, cuidar dos pés e hidratar o cabelo. “Se eu não trabalhar, vou ficar nervoso. Preciso espairecer. Depois, terei o dia de noivo como todos os outros. A minha orientação não me deixa ser menos homem por estar me casando com outro homem. Quero um dia proveitoso e gostoso”, diz Guilherme.
A festa foi preparada para cerca de 100 convidados. Daniel vai esperar no altar o noivo entrar ao som da marcha nupcial e da música Meu eterno namorado. Um ponto alto da festa promete ser o buquê. As flores foram substituídas por algo bem original, personagens do filme Frozen, animação da Disney: o boneco do príncpe será jogado para quem gosta de meninos; da Elsa para quem gosta de meninas; e Olaf, o boneco de neve, para “os desesperados”, segundo Guilherme. “Queremos, com esse casamento, também incentivar os casais da igreja a ter um relacionamnto maduro, fiel um com outro, com muito amor. Nosso desejo é criar uma família”, relata.
A Igreja Contemporânea tem os homossexuais como a maioria de seus fiéis, mas também recebe héteros. A mais nova unidade em Minas está sendo aberta em Contagem, na região metropolitana. Cerca de 100 pessoas já frequentam os cultos às quintas-feiras, feito em local provisório, no Bairro Eldorado, até a instalação na sede definitiva. Na capital, são aproximadamente 250 fiéis que se reúnem no templo localizado no Barro Preto, na Região Centro-Sul de BH.