RETALHOS DA SOLIDÃO – Cronica de um aventureiro. Jair Queiroz

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Hoje mais uma vez não liguei o rádio para ouvir o primeiro noticiário da manhã porque já sei que os fatos serão os mesmos: bombas explodiram mandando pelos ares os bagaços daqueles que as criaram; crianças foram raptadas, jovens morreram drogados nos becos, gênios foram aniquilados, sacerdotes sacrificados, enquanto eu apenas pretendo me adequar à nova realidade que me apresenta.
O sol preguiçoso se esforça para dobrar a linha do horizonte e fazer brilhar a cidade e eu permaneço aqui, debruçado sobre o parapeito da janelinha dos fundos, esperando a vida renascer nos lares, nas lojas e nos botequins que logo estarão apinhados de bêbados… Penso em minha filha e choro!!
Pouco me importa o dia da semana. No calendário da parede vejo apenas a fotografia de uma moça bronzeada, bem torneada, que se exibe nua entre os números que marcam as datas, às vezes pintados de vermelho para definir um domingo ou feriado. Os outros, todos iguais, sempre, exatamente o mesmo, como hoje: um dia sem data, uma manhã sem nome, um momento sem nexo, sem eco… madorra total!
Sei que você também já passou por tudo isso, já caminhou como eu pela avenida 7 de Setembro, atravessou a rua cheia de carros que vêm e que vão, não sei de onde; gente que se acotovela quando a calçada é mais estreita e segue tagarelando pela rua afora, enquanto nos olhos de dor do garoto de rua, surge uma lágrima brilhante que fala sem ter palavras.
Você também deve ter parado na Praça Jônathas Pedrosa para observar tudo isso: O carro que passa ligeiro deixando o cheiro de gasolina no ar puro da manhã – agora já não tão puro assim – a fila na parada do circular que segue cheio como um carro de boi. Por certo já nos vimos por lá numa manhã qualquer, mas nem notamos um ao outro. Você olha para o migrante de roupas simples, olhos escondidos pelas lentes dos óculos escuros e que desaparece depois que vira a esquina.
Meu destino é certo, traçado, medido, onde a mesma prancheta, réguas e compassos me esperam; Onde vou desenhar traços e mais traços, misturar tintas, cores em harmonia, criar frases, logotipos, que serão usados para persuadir o consumidor a comprar aquilo que juram ser o melhor produto da praça e pelo menor preço. Lá tem o Ray que chega mal humorado e mal e me dá com o mesmo bom dia forçado… tudo igual!
Você me vendo passar não imagina minha solidão, pois reajo como máquina manejada por gente experiente, orientado a desempenhar um papel. Mas, na calada da noite, quando desaparecem das ruas os ruídos das buzinas, quando já não se ouvem mais passos nas calçadas, me recolho e às vezes choro. Choro, mas não cedo nem recuo diante do vazio, nem da solidão e procuro nas cordas do violão emprestado apaziguar a tristeza e aos poucos me faço mais calejado. A vida está me temperando como o aço e sigo os apelos que me chamaram a vaguear e me encontrar aqui tão distante das minhas origens como apenas um forasteiro a mais, trazendo do norte do Paraná o mesmo sonho de tantos chegam carregando na mão direita uma mala de roupas gastas, no peito a esperança e na mente a ilusão da realização pelo esforço pessoal no abandono das origens.
Bem, foi assim que cheguei a quase um ano, arrastando a mala pelas ruas de Porto Velho com o sol do meio dia derramando fagulhas de fogo sobre minha cabeça, mas disposto a encarar a nova realidade.
Vieram muitos dias e o roxo da minha “terra-roxa” fui trocando pelo verde das “verde das florestas ”; o trinado da araponga, pelo gorjeio do sanhaçú… Amigo, hoje sou amazônida como tu!
É com imenso prazer que vos dedico estes retalhos.
Porto Velho, RO ´ – 1981
Jair Queiroz é policial aposentado e psicólogo

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