No início dos Anos 80, como delegado Regional na cidade de Guajara-Mirim, vivi diversas situações muito difíceis e uma delas foi o assassinato de um senhor já bem idoso e muito querido e respeitado naquela cidade, cujo nome era Rafael, também conhecido por Dom Rafaelito, uma pratica de tratamento pessoal, muito comum no país vizinho a Bolívia, ao se referir a pessoas muito respeitadas na sociedade.
Dom Rafaelito ficava entre sua casa dentro da cidade e boa parte do tempo num sítio de sua propriedade a alguns quilômetros rio acima da cidade de Guajará, cuja navegação Dom Rafaelito fazia num barco a motor, muito conhecida naquela região como ‘voadeira.
Além dele, vivia no sítio em questão, um boliviano – cujo nome agora já não recordo, a esposa do mesmo e uma criancinha filha do casal. Certo dia, eis que o boliviano apareceu no porto da cidade num barquinho velho, trazendo o corpo de Dom Rafaelito, cujo barco ele trouxe até a cidade utilizando apenas remos, pois como explicou posteriormente na delegacia de policia, o barco o motor de Dom Rafaelito havia sido roubado, daí a viagem com aquele segundo barco que vivia ancorado no sitio.
No cartório da delegacia, tomei o depoimento do boliviano, depois de ele ser ouvido na Sevic pela equipe chefiada pelo experiente policial João Pomba e me convenci da versão que me apresentou, de que o sitio havia sido invadido por ladrões oriundos da Bolívia.
No interior do barco, para tristeza de todos que o viram chegar, o corpo de Dom Rafaelito, morto segundo ele, com um disparo de espingarda na cabeça, disparado pelos bandidos que invadiram o sítio e levaram todos os bens possíveis existentes na propriedade.
No cartório da delegacia ouvi o boliviano, depois de ele ser ouvido na Sevic pela equipe chefiada pelo experiente policial João Pomba e me convenci da versão apresentada pelo boliviano e o liberei, tendo ele seguido para velório de Dom Rafaelito na casa da cidade, onde ele chorava muito e repetia a todo momento para todos ouvirem: ‘Dom Rafaelito era um pai para mim’ e chorava tanto que soluçava, impressionando parentes e amigos do morto.
Entre os muitos parentes e amigos no velório, um discretamente num canto da sala observava a todos e muito particularmente o comportamento do boliviano, pois diferente de mim e demais colegas ele o policial Waldeci Felix não tinha recebido muito bem a história narrada pelo empregado de Dom Rafaelito.
Logo cedo, na manha seguinte, recebo na minha residência o citado policial, que me revelou que não havia digerido bem a história e queria a minha autorização para conduzir aquele empregado do sitio e novamente ouvi -lo na Sevic, mas sabia que iria criar um tremendo mal estar, pois o suspeito era tão querido pela família do morto, que ainda na véspera ele, esposa e a criança receberam várias roupas novas, pois segundo ele no assalto tinham ficado só com a roupa do corpo.
Depois de devidamente autorizado ele Waldeci com alguns colegas seguiram para a residência do morto e todos já haviam ido para o cemitério, tendo a equipe seguido até lá e sem que ninguém percebesse retiraram dali o boliviano e o conduziram até a Delegacia, tendo Waldeci sozinho na Sevic com ele, passado a questionar a sua versão e depois de um bom tempo, em razão da experiência de Waldeci e sua paciência, finalmente o sujeito confessou o crime, pormenorizando, que junto com a sua esposa teriam forjado tal quadro, para que assim se apoderarem de todos os bens do patrão e levar tudo para vender na Bolívia.
Informou ainda o mesmo em sua confissão, que a marca nas duas costas tinha sido feita pela própria esposa, atendendo suas orientações, para assim a versão parecer real. Disse também que após a morte de Dom Rafaelito com a espingarda que ficava na fazenda, ele e esposa colocaram no barco, a arma do crime, mantimentos, ferramentas, redes de dormir, redes de pescas e outros utensílios e esconderam o barco num arbusto na beira do rio, para assim, depois de convencer a todos, inclusive a policia posteriormente levar tudo para a Bolívia e vender, retornando para a propriedade onde se deu o crime, onde iriam continuar trabalhando, em razão da confiança e amizade que exatamente havia adquirido junto aos familiares da vítima, principalmente junto ao filho mais velho Rafael, respeitado servidor do Basa – Banco do Amazonas S.A, Agencia Guajará.
Horas depois, já de posse da confissão do boliviano nos autos do processo, com ele devidamente preso preventivamente a meu pedido, encontrava com ele no meu gabinete, já que os policiais da Sevic haviam saído em busca do barco e pertences roubados, quando chegou ali o filho Rafael filho da vítima, que aliás, era meu velho conhecido dali mesmo da cidade.
O comissário ao adentrar no meu gabinete parecia assustado e me disse que a família de Dom Rafaelito havia descoberto tudo e que o filho Rafael, aparentando muito nervoso queria adentrar no gabinete a todo custo e eles os policiais naquele momento estavam em número bem reduzidos daí a intranquilidade deles policiais, quando então liberei sua entrada, mas disse ao policial que antes verificasse se ele Rafael, portava alguma arma.
Naquele momento o boliviano se encontrava a minha frente e de costas para a porta, quando mandei que trouxesse sua cadeira e se postasse sentado ao meu lado e ele bastante tremulo fez exatamente assim e ficamos aguardando a entrada de Rafael, que para minha surpresa, gritando muito, praticamente voou por cima da mesa para pegar o pescoço do boliviano e sendo ele um homem franzino e de pequena estatura, atravessei na frente e o segurei pelas mãos,fazendo-o sentasse e se controlar, e ele repetia: ‘Por que, por que, matar o meu velho pai, você tinha toda confiança dele e da família e o boliviano, escondido atrás de mim nada respondia ao desesperado Rafael, quando então determinei a retirada do criminoso do ambiente.
Já recuperado Rafael passou a contar a sua decepção e da sua família com a ingratidão, pois essa pessoa passava fome na Bolívia e a vítima acolheu e o ajudou sempre, pagando seu salário é lhe dando cestas básicas, que levava a cada viagem que fazia de Guajará ao sítio.
O amigo Rafael, não sei se ainda vive, anterior a a morte do seu querido pai, outro golpe terrível, ja havia ocorrido na sua vida, pois passeando numa voadeira com sua família, uma das suas duas filhas de apenas 4 anos de idade, caiu no rio e jamais foi encontrada.
Quanto ao policial Waldeci Félix, o seu exemplo de profissional e o amor ao trabalho, permitiu que um brutal assassinato não ficasse impune. Waldeci quem sabe algum dia, receba o devido reconhecimento da cúpula da SSP-RO, não só em razão desse seu extraordinário trabalho mais também outros bem importantes.