Josias de Souza
A Dilma Rousseff que aparece no vídeo acima, gravado em 19 de março, era avessa à ideia de reformar o ministério. “Vocês estão criando uma reforma no ministério que não existe”, ralhou com os repórteres. Cid Gomes acabara de deixar a pasta da Educação. E petistas próximos a Lula insinuavam que a presidente poderia aproveitar a ocasião para remodelar o resto do gabinete. “Não tem reforma ministerial, não vou fazer”, Dilma batia o pé. “Reforma ministerial é uma panaceia, ou seja, não resolve os problemas.”
Nesta sexta-feira, decorridos apenas seis meses e meio, Dilma anunciou a reforma ministerial que havia descartado. Mentor e beneficiário das mexidas, Lula não estava presente. Nem precisava. Em almoço ocorrido na véspera, ele havia ensaiado Dilma para que ela apresentasse a reforma meia-sola como uma panaceia, remédio para todos os males do empreendimento governista.
“Ao alterar alguns dos dirigentes dos ministérios, nós estamos tornando nossa coalizão de governo mais equilibrada, fortalecendo as relações com os partidos e com os parlamentares que nos dão sustentação política”, afirmou Dilma. “Trata-se de uma ação legítima, de um governo de coalizão e, por isso, tudo tem sido feito às claras”, ela acrescentou.
Em verdade, como é do seu feitio, Lula age às claras, aproveitando as gemas, sem desprezar as cascas. Depois de muita reflexão, o moribixaba do PT evoluiu da crítica à afilhada para a tentativa de resgate. Fez isso porque concluiu que, sem Dilma, o projeto Lula-2018 pode ser encaminhado para o beleléu. Quer dizer: Lula chacoalhou o ministério para tentar salvar uma hipotética candidatura presidencial que a inépcia de Dilma coloca em risco.
Como Dilma resistiu em aceitar certas mudanças —a troca de Aloizio Mercadante por Jaques Wagner na Casa Civil, por exemplo— Lula forçou a mão. A tal ponto que desfigurou a pupila. Além de parecer que já não governa, Dilma soou desconexa no discurso da capitulação: “Nós precisamos, sim, de estabilidade política para fazer o país voltar a crescer, e crescer mais rapidamente […]. Nós, em síntese, precisamos colocar os interesses do país acima dos interesses partidários.”
Foi pensando “nos interesses do país” que Dilma elevou a cota de ministérios do PMDB para sete, enfiando na Esplanada dois deputados do baixo clero —na Saúde, Marcelo Castro (PI), um psiquiatra dedicado às loucuras da política; na Ciência e Tecnologia, Celso Pancera (RJ), um “pau-mandato” de Eduardo Cunha na CPI da Petrobras. Repetindo: com os “interesses do país” em mente, Dilma levou ao balcão até ministérios estratégicos como Saúde e Ciência e Tecnologia.
Ironia suprema: os nomes de Castro e Pancera foram repassados a Dilma pelo líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ), um eleitor de Aécio Neves em 2014. Na Câmara, Picciani é relator de uma proposta de emenda constitucional de autoria de Eduardo Cunha, o desafeto de Dilma Eduardo Cunha. Sugere que seja inserido na Constituição uma regra segundo a qual nenhum governante poderia nomear mais de 20 ministros. Dilma tinha 39. Prometera dar sumiço em dez. Para saciar o PMDB, cortou apenas oito. Ainda assim, recorreu ao truque de empurrar pastas “extintas” para dentro de outros organogramas. Tudo em nome dos sacrossantos “interesses do país.”