Críticos da matéria dizem que ela cortará recursos da saúde e da educação, enquanto governistas apontam necessidade de equilíbrio nas contas públicas. Proposta limita o aumento das despesas federais à inflação apurada pelo IPCA do ano anterior
POR FÁBIO GÓIS | 31/10/2016 19:38
CATEGORIA(S): CRISE BRASILEIRA, CRISE ECONÔMICA, GESTÃO PÚBLICA, MANCHETES, NOTÍCIAS, OUTROS DESTAQUES
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Agência SenadoColegiado dará o ponta-pé inicial nas discussões sobre a propostaEmbora já esteja formalmente em tramitação, com o protocolo feito na última quarta-feira (26), a proposta de emenda à Constituição (PEC) que limita gastos públicos pelos próximos 20 anos, instituindo novo regime fiscal no país, começa a ser realmente discutida nesta terça-feira (1º) no Senado, em audiência pública marcada para as 10h na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Polêmica justamente por limitar a aplicação do orçamento, a matéria foi concebida pelo governo Temer com o objetivo de ajustar as contas públicas, limitando o aumento das despesas federais à inflação aferida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do ano anterior. Coube ao senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) a tarefa de relatar a matéria, e a expectativa é que ele apresente seu parecer durante a reunião.
A ÍNTEGRA DA PEC DO LIMITE DE GASTOS
A hipótese mais provável é que a matéria, aprovada na Câmara por 359 votos a 116, não seja votada na CCJ já nesta terça-feira. Uma vez aprovado pela CCJ, o texto seguirá para dois turnos de votação no Plenário do Senado, onde deve ser discutida até 29 de novembro. Até lá, o caminho da matéria certamente será de muita discussão no Senado, como sinalizão as primeiras movimentações regimentais na Casa.
Membros da CCJ, as senadoras oposicionistas Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) já protocolaram requerimentos para a realização de mais debates, em audiência pública, sobre a proposta de congelamento dos gastos. Na hipótese de aprovação dessas demandas ou mesmo de um pedido de vista sobre a matéria, que pode ser coletivo ou individual, a votação do relatório será inevitavelmente adiada.
A intenção das senadoras é que especialistas se manifestem sobre os desdobramentos da PEC 241/2016, que passou a tramitar no Senado como PEC 55/2016. Na justificativa dos requerimentos, ambas põem em dúvida o efeito do novo regime fiscal sobre políticas e gastos sociais e, particularmente, nas áreas da saúde e da educação, que têm tratamento constitucional próprio. Gleisi e Vanessa pretendem ouvir professores de Direito das principais universidades do país, entre elas Universidade de São Paulo (USP) e Universidade de Brasília (UnB), e a procuradora Élida Graziane, do Ministério Público de Contas de São Paulo.
Consulta popular
Apenas uma emenda, apresentada por Gleisi Hoffmann, havia sido apresentada à matéria até esta segunda-feira (31). A sugestão de conteúdo visa condicionar a entrada em vigor da nova legislação a um primeiro teste, por meio de referendo popular autorizado pelo Congresso. A ideia da senadora contraria as intenções governistas, uma vez que o texto original da PEC determina vigência imediata, a partir do ato de sua promulgação. “Deve ser o povo a dizer se concorda com o congelamento dos gastos sociais em políticas e serviços públicos, em especial nas áreas de educação e saúde, de 2018 até 2036”, defende a parlamentar petista, na justificação da emenda.
Na hipótese da aprovação da emenda de Gleisi e da rejeição da PEC em consulta popular, a matéria sequer teria sua vigência declarada, invalidando-se seus efeitos já depois de publicado o resultado do referendo. Mas, caso a sugestão de norma constitucional seja referendada, ficaria declarada tanto a validade quanto a repercussão do texto tão logo seja publicada a manifestação popular, a ser atestada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Gleisi disse ter escolhido o referendo como modelo de consulta porque se trata de “instituto de democracia participativa convocado com posterioridade a ato legislativo ou administrativo, cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição”, nos termos da Lei nº 9.709/1998. O dispositivo disciplina os procedimentos de aplicação dos instrumentos da democracia direta definidos na Constituição (plebiscito, referendo e iniciativa popular).
Reflexos
A PEC 55 impõe novos limites na elaboração e execução do Orçamento por 20 anos e prevê uma das mais importantes alterações no modelo de Estado desenhado pela Constituição de 1988. Também obrigará modificações em outros artigos constitucionais e em várias leis ordinárias que regem programas de governo e suas metas. As mudanças nas leis nacionais, estaduais e municipais serão obrigatórias para enquadrar na nova regra os orçamentos de todas as instâncias de poder.
Uma das primeiras modificações terá de ser feita nas leis que regem a política salarial dos servidores públicos. Todas as regras que vierem a prever aumento real, com reposição acima da inflação, não poderão ser nem mesmo negociadas ou prometidas, sob pena de descumprimento do limite de gastos previstos na emenda. Todas as leis municipais e estaduais que regem os servidores ficarão submetidas ao limite constitucional de gastos.
Também haverá mudança nos critérios para o cadastramento e pagamento do Benefício de Prestação continuada (BPC) que prevê um salário mínimo a quem tem pelo menos 65 anos e nunca contribuiu para a Previdência. O dinheiro sai do orçamento do Ministério do Desenvolvimento Social e estará sujeito aos limites da emenda, mesmo que aumente o número de dependentes ou o valor do benefício. Estudos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que, pelas regras atuais, o BPC consome 54% do orçamento do Ministério de Desenvolvimento Social. A projeção é que, em 20 anos, o percentual do orçamento da pasta comprometido com o benefício suba para 177%.
Projeção feita pela Sociedade Brasileira de Economia Política estima a redução das despesas primárias da União dos atuais 20% do PIB, neste ano, para 16% em 2026; e apenas 12% em 2036, prazo final da vigência prevista na emenda. Isso ocorreria porque a União se desobrigaria de abrir novas vagas em programas como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida, por exemplo. Ou terá de reduzir drasticamente as compras públicas, tanto para custeio quanto para investimentos. Nesta conta estão as obras que deixarão de ser feitas, novos hospitais ou escolas abertos para atender a demanda.