Josias de Souza
Ao ocupar a tribuna da ONU, na manhã desta sexta-feira, Dilma Rousseff se absteve de pronunciar o vocábulo “golpe”. Num alvissareiro recuo, madame preferiu dizer, em timbre vago, que o Brasil vive um “grave momento”. Teve o cuidado de retratar o país como uma “pujante democracia”. E disse ter confiança na capacidade do povo brasileiro de “impedir quaisquer retrocessos.”
Não é nada, não é nada, a manifestação e Dilma não é nada mesmo. Ou, por outra, a presidente apenas expôs o pardoxo do dilmês, seu idioma particular. Vale a pena reproduzir o pedaço do discurso em que Dilma fugiu da pauta climática da ONU para tratar do aquecimento nacional e da emissão de gases de enxofre da política brasileira:
“Senhoras e senhores, não posso terminar minhas palavras sem mencionar o grave momento que vive o Brasil. A despeito disso, quero dizer que o Brasil é um grande país, com uma sociedade que soube vencer o autoritarismo e construir uma pujante democracia. Nosso povo é um povo trabalhador e com grande apreço pela liberdade. Saberá, não tenho dúvidas, impedir quaisquer retrocessos. Sou grata a todos os lideres que expressaram a mim sua solidariedade.”
Eis o paradoxo de Dilma: um “grave momento” acontecendo num país que vive sob “pujante democracia”, habitado por “um povo trabalhador”, que é capaz de “impedir quaisquer retrocessos”… Esse cenário pode ser interpretado como uma apoteose da normalidade institucional de uma nação tentando se reencontrar ou apenas como mais um mistério dessa inescrutável terra de palmeiras e sabiás.
Seja como for, o povo já informou o que deseja. Tomado pelo último Datafolha, a maioria dos brasileiros quer o impeachment de Dilma (61%) e também o impedimento de Michel Temer (58%). A taxa dos que defendem a renúncia da presidente e do seu vice é idêntica: 60%. Noutra evidência de que o brasileiro sabe o que quer, 80% defendem a cassação do mandato do presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
Quer dizer: fica sem sentido o debate sobre quem realmente está dando o golpe no Brasil: Dilma, que pedalou a paciência alheia e se fingiu de cega diante da roubalheira que carreou verbas sujas para sua campanha, ou o PMDB, que participou do assalto e faz pose de inocente enquanto empurra Michel Temer para dentro do Planalto pela porta dos fundos.
Para o povo trabalhador do Brasil, a saída é clara: Dilma e Temer deveriam renunciar. E a Câmara teria de passar o mandato de Cunha na lâmina. Como nada disso vai acontecer, o TSE precisa cassar a chapa Dilma-Temer e o STF tem de apreciar o pedido do procurador-geral Rodrigo Janot para que Cunha seja interditado judicialmente. O resto é desconversa. Ou dilmês.