Instalação da CPI da Covid, amanhã, por ordem do Supremo Tribunal Federal; a queda de braço entre o governo e o Congresso sobre os cortes a serem feitos no Orçamento deste ano; e a votação da nova Lei do Estado Democrático põem Bolsonaro na defensiva
O semblante contrariado e o silêncio do presidente Jair Bolsonaro, no fim de semana, quando perguntado sobre se sancionaria ou vetaria parcialmente o Orçamento deste ano, deu o tom dos desafios do governo neste momento em que se vê emparedado em três frentes diferentes: no Senado, a iminente Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), amanhã, para investigar as ações do governo durante a pandemia da covid-19, que provoca reações também na Câmara; a lei orçamentária, para a qual ainda não há um acordo que permita a sanção; e, de quebra, a urgência para votação da nova Lei do Estado Democrático de Direito. O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), planeja colocar esse tema no centro das discussões, num gesto que parte dos aliados de Bolsonaro acreditam ter vindo sob encomenda para “parar esse cara” — conforme cobrou, há um mês, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE). Tudo isso em plena crise sanitária, com 353.137 mortes, aproximadamente 13,4 milhões de casos — segundo os números de ontem do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) — e incertezas sobre as vacinas neste semestre.
Dos assuntos que prometem tomar conta do ambiente político, o mais urgente, ao lado da imunização, é o Orçamento. As dificuldades nesse campo indicam um choque logo no primeiro teste de fogo da relação entre a equipe econômica e o novo comando do Congresso. Hoje, o governo apresentará uma proposta ao Legislativo. No Planalto, a conclusão é a de que não há alternativa que não seja um punhado de vetos para tentar recompor os recursos destinados às despesas obrigatórias. Porém, Lira não admite acordos que resultem no corte dos R$ 16 bilhões em emendas, algo que foi incluído no pacote de bondades para compensar o desgaste dos políticos com temas indigestos aos olhos do eleitorado — como, por exemplo, a reforma administrativa, que o governo deseja.
O governo desenhava, ontem, a hipótese de preservar a maior parte desses recursos, cortando R$ 9 bilhões. Mas ainda não estava fechado, porque a área econômica atribuiu à área política do governo a falha que resultou na aprovação do Orçamento “inexequível”, que, se não for cortado, fará com que Bolsonaro “pedale”. Em conversas reservadas, há quem diga, inclusive, que os líderes do governo se preocuparam mais em atender as emendas e “resolver o seu lado” sem olhar o todo, ou seja, a responsabilidade fiscal, tão cara em momentos em que é preciso preservar os indicadores econômicos e evitar a inflação.
Paralelamente a essa queda de braço, Bolsonaro terá, ainda, de arbitrar novamente a disputa entre Paulo Guedes e o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, constantemente apontado pelo ministro da Economia como “fura-teto”. A equipe econômica tenta levar o governo à responsabilidade fiscal, no cumprimento das despesas obrigatórias, enquanto o setor de Marinho e o de Infraestrutura, capitaneado pelo ministro Tarcísio Gomes de Freitas, oferecem ao presidente a execução de obras que dão o ar de desenvolvimento e crescimento que trazem visibilidade junto ao eleitorado, fazem a alegria de prefeitos, dão prestígio aos parlamentares e palanques para apresentar o governo ativo, apesar da pandemia.
Substituição da LSN
Os líderes partidários planejam aprovar esta semana o regime de urgência para discussão da Lei do Estado Democrático de Direito, em substituição à Lei de Segurança Nacional. O gesto ganhou novos contornos depois de o presidente Jair Bolsonaro atacar o Supremo Tribunal Federal (STF) por causa da determinação do ministro Luís Roberto Barroso para que o Senado instalasse a CPI da Covid. Nesse sentido, o que era apenas uma maneira de tentar evitar que a Corte terminasse modulando a LSN — objeto de, pelo menos, quatro ações no Supremo —, agora virou uma emergência para tentar evitar perseguições e ataques as liberdades, venha de onde vier.
A ideia de jogar mais luz sobre essa discussão partiu do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL). Dois parlamentares ligados a ele, Hugo Motta (Republicanos-PB) e Margarete Coelho (PP-PI), desengavetaram o projeto delineado por Miguel Reale Júnior, em 2002. Aprovar a urgência, porém, não significa que a nova Lei do Estado Democrático de Direito será votada a toque de caixa, porque o texto ainda não está amadurecido.
Hoje, todos os partidos têm interesse na proposta. Os bolsonaristas querem mudar a LSN desde que o ministro Alexandre Moraes, do STF, se baseou nela para, por exemplo, mandar prender o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ). A oposição, por sua vez, não gostou de ver o governo perseguindo seus críticos com base na mesma lei.
Essa insatisfação geral com o texto de 1983, ainda da ditadura militar, é hoje a janela para discutir a proposta, mas daí a se chegar a um consenso, o caminho é longo, uma vez que cada partido tem uma visão sobre a nova lei. A criação de redes de disparo de notícias falsas na internet como crime contra o Estado de Direito, por exemplo, promete muita polêmica.
Esta semana, a LSN deve ocupar também parte do tempo do STF, porque se esgotou o prazo de cinco dias que o ministro Gilmar Mendes deu para que o Ministério da Justiça explique o uso do dispositivo contra críticos de Bolsonaro. Em março, por exemplo, um homem chegou a ser detido por publicar uma mensagem contra o presidente na internet e, hoje, responde a inquérito aberto pela Polícia Federal com base na LSN.
R$ 16 bilhões
é o valor das emendas parlamentares que constam no Orçamento deste ano e que Arthur Lira não aceita cortar