Hélio Doyle
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Parece que alguns setores da oposição já se conscientizaram de que o impeachment ou a renúncia de Dilma Rousseff não vão acontecer. Não há bola de cristal em política, e nuvens mudam rapidamente. Então, com mais cautela: se acontecerem, não vão acontecer tão cedo. A possibilidade permanece, mas a probabilidade é muito pequena.
A “greve política” de caminhoneiros não deu certo e não há grande expectativa em relação às manifestações do dia 15 de novembro. O PSDB finalmente viu, com auxílio de pesquisa de opinião, que jogar tudo na derrubada de Dilma não é uma atitude politicamente inteligente, pois o partido está se colocando contra suas próprias bandeiras – além de ser acusado, especialmente por empresários, de estar sabotando o enfrentamento da crise econômica.
O governo saiu de sua rotina de erros e burradas e acertou na reação à paralisação de caminhoneiros: foi duro e enérgico. Não dá para qualquer governo, seja lá qual for ele, assistir passivamente ao fechamento de rodovias, com prejuízos grandes para o país. Ainda mais quando os manifestantes deixam clara sua pauta estritamente política e golpista: derrubar o governo, tal como no Chile de Allende.
O governo continua errando, porém, em quatro aspectos fundamentais. O primeiro, ao considerar que impedir o processo de impeachment deva ser sua principal preocupação, em torno da qual tudo gira. Isso o leva a claudicar em questões muito mais importantes e a deixar o combate à crise econômica em segundo plano. E se o governo centra suas ações no impeachment, abre a guarda para seus adversários. Fica mais vulnerável. Defender Eduardo Cunha, então, para com isso brecar a deflagração do impeachment, é inaceitável.
O segundo erro, decorrente do primeiro, é insistir em manter com o Congresso Nacional a velha relação do fisiologismo e do conhecido toma lá dá cá. Deputados e senadores são insaciáveis e tudo que recebem do governo colocam em um saco com fundo furado, que tem de estar sempre sendo abastecido. E, vendo o medo do governo, os parlamentares se tornam mais ousados e aumentam o grau da chantagem a que estão tão habituados. O governo, assim agindo, se confunde com a politicagem que a população despreza.
O terceiro erro é o mais grave. O governo pareceu ter optado por uma linha de enfrentamento da crise com a nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda. Mas na verdade dá inúmeras indicações de não saber o que quer, e muda de opinião a cada grito do Congresso ou dos movimentos sociais. Desautoriza o ministro, deixa que divergências internas se tornem públicas, vacila, vai e volta. Isso é péssimo em qualquer circunstância: se optou por uma estratégia, o governo tem de segui-la.
Ao terceiro está ligado o quarto erro. Ao parecer optar pelo caminho proposto por Levy, o governo perdeu o apoio e o alinhamento automático de sua base social que se coloca mais à esquerda, especialmente no PT. Defende-se o mandato de Dilma, mas não sua política econômica. O governo tenta se dividir entre os aliados, ou pretensos aliados, da centro-direita e do centro, de um lado, e a base social da esquerda e da centro-esquerda, de outro. Não pode dar certo, é preciso fazer uma opção e seguir nela.
O governo deveria aproveitar a aparente trégua na pressão pelo impeachment, facilitada pelas investigações contra Eduardo Cunha, e repensar sua estratégia para ir em frente e tomar medidas que mostrem, sobretudo, que governa. Porque hoje, fora a atitude diante dos caminhoneiros, a impressão é que o governo não governa.