Nos últimos dias a população de Londrina esteve sob o estresse provocado por uma rebelião na Penitenciária Estadual, a PEL II, que resultou em feridos dentre os detentos tomados como reféns e muita destruição do patrimônio público. Felizmente tudo se acalmou em poucas horas. O episódio é oportuno para trazermos uma reflexão sobre a prática penal do encarceramento e as implicações dela sobre a natureza humana que é propensa à liberdade desde o nascimento.
O descumprimento das regras de convivência social quebra a harmonia nos relacionamentos e desencadeia o desrespeito, intolerância, violência e fomenta as diversas modalidades de crimes. Para corrigir essa situação o Estado pune os criminosos aplicando-lhes a pena restritiva de liberdade, mantendo-os afastados do convívio social para que sejam reeducados e reinseridos no sistema após da conclusão da penalidade. Seria simples se realmente funcionasse como a sociedade espera, mas infelizmente o que constatamos é que se nada de bom entra nas cadeias, pior ainda é o que sai delas. Ocorre que a pena de reclusão como é aplicada em nosso sistema não é eficiente para mudar a realidade psicológica do apenado, que pela ótica da saúde mental é uma pessoa que se encontra adoecida no sentido social/afetivo e emocional. Esse ser cindido é colocado entre outros nas mesmas condições e espera-se que por um processo simbiótico, através do sofrimento, se restabeleçam a ambos, resignados e arrependidos do mal que fizeram.
Um fenômeno comum observado nos presídios é o processo da aglutinação, a formação de vínculos sociais entre presos que se unem para garantir proteção contra grupos rivais – e até mesmo de atos do Estado, nem sempre tão legítimos – e realizar suas necessidades fundamentais para a sobrevivência. Esses vínculos às vezes são estruturados a tal ponto que formam uma sociedade paralela, com normas de convivência, comandos, leis etc. São as chamadas facções. São fenômenos explicáveis pela ótica das necessidades sócio emocionais da pertença e são proporcionais às lacunas deixadas pelo Estado no tocante à proteção e a dignidade do preso. As penas, em geral, ultrapassam os limites da privação da liberdade e usurpam do apenado a possibilidade de “vir a ser um ser humanizado”, o que em verdade é o seu principal objetivo.
O estresse proporcionado pela limitação das necessidades corpóreas, o medo, a angústia de morte acionada pelo instinto de sobrevivência perante os maus-tratos, ameaças, doenças e abusos de toda sorte, justificam no preso o desejo de libertar-se, o que é natural nessas condições. No ambiente caótico gerado no interior dos presídios nada dignificante pode acontecer, mas ao contrário, agravar a experiência auto e hetero destrutiva de quem se encontra em desordem intrapessoal e interpessoal. As condições físico-estruturais são importantes para amenizar os riscos de descontentamento que produzem as reações em cadeia, estopim das rebeliões, porém não são as mais importantes. O tratamento digno e respeitoso, necessário ao se lidar com pessoas, condição que – quer a sociedade aceite ou não, permanece no apenado apesar dos crimes que praticou – é que pode amenizar esse ímpeto.
Assim, como nos tratamentos dispensados aos hospitais, urge que humanizemos os nossos presídios, através de estrutura adequada, profissionais qualificados, atenção à
saúde, estudos, cultura, lazer, religiosidade, qualificação profissional etc, objetivando o cumprimento das suas atribuições fundamentais que é a de reeducar e reinserir os detentos na sociedade, devolvendo-os como cidadãos úteis a si e a seus iguais e atingirmos, enfim, o objetivo principal que é a diminuição dos índices de criminalidade. Até lá, no máximo, seguiremos construindo presídios na areia.
Jair Queiroz – É sindicalizado e Psicólogo, pós-graduado em segurança pública em Londrina.