Não sei por que, mas hoje foi um dia nostálgico. Vaguei no passado! Não no passado que está logo ali, mas no mais distante passado que minha memória pode acessar. E lá estava eu absorto, olhando as nuvens em movimento, o voo dos pássaros e desejando poder voar também. Comtemplei mentalmente as águas do riozinho e o balouçar das copas das árvores. Até músicas daqueles tempos eu ouvi, além da música do próprio vento ao dobrar e atritar as longas varas de bambus da moita próxima ao poço. Depois de um razoável tempo a divagar sobre esse período maravilhoso, chegou a hora de retornar aos livros e ao teclado para elaborar mais uma resenha acadêmica.
Confesso que não foi tão fácil conectar-me novamente pois a lembrança apaziguadora do passado ainda ocupava espaço em meus pensamentos. Concentrei-me nas palavras escritas pelo jus filósofo Cesare Beccaria, e assim consegui concluir mais um capítulo de sua obra “Dos Delitos e das Penas”, mas, mesmo em lampejos as imagens do passado ainda pululavam e por isso decidi analisar racionalmente o conteúdo das suas representações oníricas.
Refletindo sobre a dureza da vida daquela época, concluí que a realidade não era tão acalentadora como se apresentava aos meus devaneios. Eram tempos difíceis em que faltavam vários itens básicos à sobrevivência, coisas que hoje não faltam aos meus filhos. Outras condições eram bastante precárias, como transporte, comunicação e logicamente, informação. As questões afetas à saúde também eram deficitárias e a farmácia, via de regra, era o próprio quintal de casa. Educação familiar era algo praticado aos gritos, sob ordens imperiosas e – não comigo, pois que tinha pais ponderados nesse quesito, mas a alguns que com quem convivi – sob castigos severos em nome do respeito e da ordem, o que as vezes deixava lesões por semanas e sem tratamento.
Então por que sempre imaginamos o passado como um período auspicioso? A resposta que me pareceu suficientemente convincente foi de que nosso passado não nos assusta porque está cronologicamente localizado num tempo já vencido. É como o pós-luta contra um adversário vigoroso que embora tenha tentado nos nocautear não obteve êxito. – Só terei a temer um próximo embate, pois esse acabou – concluímos. Ou seja, durante a luta, portanto, no tempo presente, nos atemorizamos com a profusão de socos e chutes que nos atingem como se fossem marretas, apresentando-nos um presente assombroso pela sua crueza. Após a luta, mesmo com escoriações, temos a certeza de que sobrevivemos e isso é tranquilizador, até que nos damos conta de que o adversário futuro pode ser tão duro ou mais.
Se o presente é amedrontador o porvir, com seus mistérios insondáveis é deveras ameaçador. Basta estarmos vivos para chegarmos até ele, mas não sabemos como seremos recebidos. Poderá ser glorioso talvez, ou, quem sabe, cruel e devastador. Enfim, se estamos aqui hoje é porque sobrevivemos e superamos as deficiências estruturais, financeiras ou quaisquer outras do passado e, pessoalmente, somos outros, mais fortes, mais conscientes, preparados para a vida e conectados ao presente. Mas ao analisarmos o presente da nossa realidade histórica, política, social, sentiremos calafrios, pois não podemos encará-la com o entusiasmo de quem superou o passado e caminha a um futuro promissor. Nosso país está maltratado, roubado, espremido entre uma esquerda insana e uma direita débil. Quem não receia essa situação está em devaneio e não se conectou com a realidade PRESENTE do nosso FUTURO incerto.
Vou voltar a divagar com as lembranças do voo das andorinhas que abriam o verão, as borbulhantes águas do córrego do Cateto, com a orquestra dos bambuzais e me esconder na ilusão de um passado paradisíaco.
Dói menos!
Jair Queiroz – Londrina-PR.