Josias de Souza 1
Com o luxuoso auxílio dos seus advogados, Lula desperdiça tempo numa cruzada contra Sérgio Moro. Para estigmatizá-lo, recorreu até às Nações Unidas. Denunciado, o ex-presidente passou a demonizar também o procurador da República Deltan Dellagnol e os outros “meninos” da Lava Jato. Lula procede assim por acreditar que, tachando seus investigadores de demônios, fica eximido de todo exame do mal. A começar pelo mais difícil: o autoexame.
Nesta quinta-feira, no comício privê que convocou para politizar a denúncia de que foi alvo, Lula potencializou a impressão de que se tornou um típico político brasileiro— grosso modo falando. Ele discursou por uma hora e oito minutos. A certa altura, a pretexto de criticar os procuradores que têm a mania de procurar e o juiz que cultiva o hábito de julgar, Lula saiu em defesa da classe política, sua corporação. Pronunciou a seguinte frase:
“Eu, de vez em quando, falo que as pessoas achincalham muito a política. Mas a profissão mais honesta é a do político. Sabe por quê? Porque todo ano, por mais ladrão que ele seja, ele tem que ir para a rua encarar o povo, e pedir voto. O concursado não. Se forma na universidade, faz um concurso e está com emprego garantido o resto da vida. O político não. Ele é chamado de ladrão, é chamado de filho da mãe, é chamado de filho do pai, é chamado de tudo, mas ele tá lá, encarando, pedindo outra vez o seu emprego”.
O raciocínio de Lula é límpido como água de bica. Mas vale a pena clareá-lo um pouco mais. Para o morubixaba do PT, política não é sacerdócio, mas profissão. E se parece muito com a profissão mais antiga do mundo. O político, ainda que seja um biltre, um pulha, um larápio será sempre mais honesto do que alguém capaz de molhar a camisa numa universidade para ingressar por concurso no Ministério Público ou na magistratura. Toda vilania, toda calhordice, toda ladroagem será perdoada se o político for para a rua “encarar o povo e pedir voto.”
De acordo com a força-tarefa de Curitiba, Lula é o “comandante máximo” da corrupção. Presidiu uma “propinocracia” urdida para assegurar o enriquecimento ilícito, a governabilidade corrompida e a perpetuação no poder. Lula abespinhou-se com a acusação de que comprou apoio congressual.
“Ontem eu vi eles falarem dos partidos políticos, dos governos de coalisão, vocês sabem que muita gente que tem diploma universitário, que fez concurso, é analfabeto político”, declarou. “O cara não entende do mundo da política. Não tem noção do que é um governo de coalisão. Ele não tem noção do que é um partido ser eleito com 50 deputados de 513 e que tem que montar maioria.” Foi como se o pajé petista dissesse: “Num Legislativo em que todos os gatunos são pardos, mensalões e petrolões não são opcionais, mas imperativos.”
A esse ponto chegou o mito. Assumira o poder federal, em 2003, ostentando uma biografia que empolgava o mundo. Imaginou-se que reformaria os maus costumes. Hoje, convoca a imprensa nacional e estrangeira para informar que foi reformado por eles. E concluiu: 1) que a oligarquia política com o rabo preso no alçapão da Lava Jato é inimputável. Recebeu licença das urnas para roubar. 2) que ‘governabilidade’ virou uma grande negociata para justificar qualquer aliança ou malandragem destinada a fazer da discussão política uma operação de compra e venda.
No fim das contas, um comício que serviria para contestar acabou confirmando as formulações dos analfabetos políticos da Lava Jato. Enquanto procura demônios de ocasião para os quais possa transferir suas culpas, Lula revela o porquê do surgimento de fenômenos como o mensalão e o petrolão. Se a urna é um sabão em pó moral, nada mais natural que políticos como Collor, Renan, Cunha e um incômodo etcétera recebessem, sob Lula, licença para plantar bananeira dentro dos cofres da Petrobras e adjacências.
Lula gosta de citar sua mãe, dona Lindu, para informar que aprendeu com ela a “andar de cabeça erguida por esse país.” Está claro que Lula não apreendeu os ensinamentos de sua mãe. Um governante pode até conviver com certos políticos por obrigação protocolar. Qualquer mãe entenderia isso. Mas ir atrás do Collor, adular o Cunha, entregar a viabilidade do seu governo à conveniência de tipos como Renan… Está na cara que Dellagnol e os outros ‘‘meninos‘‘ de Curitiba precisam assumir a função da mãe de Lula, denunciando-o de vez em quando, nem que seja para dizer: “Olha as companhias, meu filho. É para o seu próprio bem. Certos confortos podem acabar na cadeia.”