Certo dia o Dr. Cesar Pizzano, na época Secretário de Segurança, me convocou para mediar uma situação com uma senhora que o procurou para pedir sua intervenção numa situação familiar. O caso era relacionado ao filho dessa senhora, que, segundo informou, era dependente químico, tinha vinte e poucos anos e que lhe dava muitos problemas. Solicitava que o Secretário enviasse uma viatura para prender o rapaz.
No gabinete o Secretário, muito sensibilizado com a situação daquela senhora, me aguardava e ali mesmo iniciamos um diálogo com aquela mãe desesperada. Ela nos contou detalhes da relação familiar, da omissão do marido em relação à família e da ruptura entre ele e o filho com quem há quase dez anos não falava. Disse: “O problema é só comigo. Com o pai ele não tem conflito, pois entram e saem sem se olharem um no outro”. Ou seja, havia um sério problema relacional.
Óbvio que não havia motivo para o Secretário ordenar que fosse preso. Não havia elementos para isso, por isso pediu minha intervenção no sentido de verificar a possibilidade de internar o rapaz. Depois de uma longa conversa e ouvir muitas queixas, eu a orientei a buscar ajuda psicológica para ela mesma, uma vez que se apresentava muito desorientada diante da situação – não sem motivos – enquanto eu cuidaria de tentar uma aproximação com o rapaz. Expliquei que nesses casos não é fácil ajudar, pois o “doente” não pediu ajuda e poderia simplesmente recusar, o que frequentemente acontece, mas que eu envidaria todos os esforços. Comprometi-me a fazer uma aproximação gradativa com ele, enquanto ela também iria sendo assistida para diminuir o estresse para poder ajudar.
Nisso a mulher levantou-se irritada e disse: – Eu não preciso de ajuda de psicólogo! Pode deixar que eu mesma vou resolver essa situação! E finalizou dizendo: – Vou acabar matando ele!! Dizendo isso saiu da sala batendo a porta. Era nítido o estado emocional abalado em que se encontrava e a resistência ao atendimento também era previsível, pois as pessoas esperam que haja fórmulas prontas para resolver de imediato o que se levou anos para consumar. Preocupados com a situação iniciamos um planejamento para tentar uma aproximação gradativa ao jovem, mas dependeríamos do apoio dela e do marido.
Não houve tempo! Uma semana após nossa conversa soube que ela e o filho tiverem um desentendimento, houve gritos e ofensas, até que ela pegou uma faca e o ameaçou. O rapaz correu para o quintal, ela o perseguiu, talvez apenas para causar-lhe medo, mas ele arrancou uma ripa da cerca do quintal e desferiu um tremendo golpe na cabeça da própria mãe, matando-a instantaneamente.
Infelizmente nada pudemos fazer para reverter a situação!
Foi um caso triste e um fracasso que registramos na nossa trajetória, mas ao mesmo tempo contabilizamos muitos outros casos de sucesso, dos quais cito aqui dois que apresentavam comportamento semelhante ao do jovem desse relato. Foram casos que acompanhamos por praticamente dois anos e hoje tenho a alegria de reencontrá-los nas redes sociais, sendo que um formou-se em Pedagogia e é professor concursado do Estado; o outro é gerente de uma empresa. Ambos constituíram belas famílias.
Não conseguimos ganhar todas, mas as conquistas sempre nos encheram de satisfação, pois ajudamos a devolver a dignidade a pessoas que estavam destruídas na sua interioridade, vitimadas pela dependência de drogas.