Creio que já próximo ao final da década de 80, não sei precisar o ano, o conhecido Sr. Manoel Arara (in memorian), ex proprietário do Bar e Lanchonete do Arara, que funcionava na esquina da Rua José de Alencar com a Av. 7 de Setembro, parada obrigatória para o café da manhã de muita gente, havia se transferido para duas quadras abaixo, na esquina das ruas José de Alencar com Riachuelo, onde se estabeleceu com um restaurante. Certa manhã, pouco após às 7 horas, quando eu seguia para o trabalho, passando por ali, percebi uma movimentação estranha em frente ao estabelecimento e entre algumas pessoas vi que o Seu Manoel gesticulava e falava, parecendo meio aturdido. Parei para ver o que tinha acontecido e soube que o restaurante havia sido arrombado naquela noite e alguém havia furtado do seu interior o aparelho de som, louças, bebidas e vários outros pertences.
O detalhe é que nesse período ele estava pagando um vigia, na verdade um homem de uns 28 anos, recém-chegado do Nordeste – conforme havia informado – e que estava com dificuldades financeiras. Esse homem havia pedido ajuda ao Seu Manoel que com seu coração generoso jamais deixaria de acolher alguém, como de fato o fez, embora não houvesse muita necessidade, pois naquela época os furtos eram raros, mas mesmo assim criou o tal trabalho para ajudá-lo. Ocorre que para sua surpresa naquela manhã deparou-se com o arrombamento e nenhum sinal do “vigia”. Eu, desconfiado perguntei se não havia possibilidade de ter sido ele, pois era para estar ali e embora houvesse vestígio da sua presença, não estava. Uma suspeita óbvia! Seu Manoel não acreditava nessa possibilidade, pois o rapaz era prestativo e muito “bonzinho” e nada o levava a suspeitar dele e até estava preocupado com o que pudesse ter acontecido à sua pessoa.
Enquanto conversávamos, eis que surge o tal homem, com cara de espanto perguntando o que tinha acontecido e se mostrando desesperado. Pediu desculpas ao Seu Manoel, dizendo que por volta de 1 hora da manhã alguém veio chamá-lo, pois o barraco onde sua mãe morava havia incendiado. Chorou ao contar a tragédia! Ao ouvir o drama, Seu Arara o abraçou e o acalmou, dizendo: “Fique tranquilo! Vá cuidar da sua mãe. Felizmente não te aconteceu nada e o prejuízo foi apenas material. ” Eu não me conformei e passei a observar o homem, seus gestos, olhares e tudo me levava a desconfiar e assim que ele se despediu, agradecendo ao patrão e saiu, não deu outra… fui atrás, seguindo-o de longe.
Ele subiu a 7 de Setembro e eu, conservando uma distância razoável, às vezes com a motocicleta desligada nas descidas, mantinha-o sob o olhar. Ele andava lentamente e parou no Mercado do Km1, comprou alguma coisa numa banca, tirou a camisa, a jogou nos ombros e seguiu a passos lentos. Não parecia nem um pouco preocupado com o incêndio na casa da mãe. Continuou a andar tranquilamente até a Av. Jorge Teixeira e lá virou à esquerda. Pensei que iria para a rodoviária, mas ele passou direto e desceu a Avenida Carlos Gomes, voltando em direção ao Centro. Me atrapalhei um pouco, pois a essas alturas me preocupei em estacionar a motocicleta e o seguir a pé. Quando virei também para a mesma avenida não o vi mais.
Pelo tempo decorrido não poderia ter ido longe, logo, supus que estivesse num dos hotéis que existiam (ou ainda existem, não sei) naquela quadra. Fui até o primeiro e indaguei sobre o tal homem, citando suas características, mas o atendente disse que ali não estava. Fui ao próximo e lá sim se confirmou sua presença, sendo informado pelo atendente que o homem estava hospedado ali a cerca de 15 dias. Identifiquei-me e o inquiri sobre a conduta do tal rapaz e mencionei o fato ocorrido. Ele confirmou que realmente naquela noite ele havia chegado de madrugada de taxi, trazendo vários pertences que – segundo disse – teria ganhado de alguém. Diante disso não tive dúvidas e pedi ajuda aos integrantes de uma viatura da PM que passava pelo local. Adentrando ao quarto lá estavam os pertences do Seu Manoel Arara. O homem foi algemado e conduzido ao 3º DP para as providências cabíveis enquanto fui avisar o bom paraibano de que seus bens haviam sido recuperados. Ele custou a creditar que o homem “bonzinho e prestativo” que ele ajudara de coração aberto, tivesse tamanha frieza para traí-lo daquele jeito.
Por: Jair Queiroz