O resultado desta reunião provocará impacto bilionário nas contas públicas. (Foto: Fellipe Sampaio)
Se prosperar, o reajuste de 16,38% a juízes e procuradores deverá aumentar o abismo entre ricos e pobres no Brasil.
Especialistas em distribuição de renda ressaltam que esses funcionários públicos fazem parte do grupo mais abastado do país, com renda mensal próxima ao 1% mais rico.
Segundo dados do Imposto de Renda de 2016, os mais atuais disponíveis, o rendimento total de procuradores e promotores do Ministério Público, membros do Poder Judiciário e de integrantes de tribunais de contas é próximo a R$ 52 mil mensais.
A média de renda do 1% é R$ 59 mil mensais, segundo contas do economista Marcelo Neri, coordenador do FGV Social, que combina informações do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e do IR.
O valor inclui, além dos vencimentos, limitados ao atual teto de R$ 33.763 –que os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) pretendem corrigir para R$ 39 mil-, benefícios como auxílio-moradia e verbas indenizatórias.
Isso os coloca entre as três ocupações mais bem remuneradas do país, à frente da média recebida por médicos, artistas, atletas e operadores do mercado financeiro.
Elevar a renda desse estrato é alargar o fosso entre ricos e pobres, mais sujeitos às dificuldades com a economia crescendo pouco.
“Aumentar a renda dos pobres reduz a desigualdade, e aumentar a renda dos ricos faz crescer a desigualdade”, afirma Rodolfo Hoffmann, professor da Esalq/USP, especialista em estudos de distribuição de renda.
Projetar a abertura da brecha é tarefa complexa, pois demandaria simular o que aconteceria em todos os estratos de renda.
A pedido da reportagem, o economista foi ao passado para tentar demonstrar os efeitos de um reajuste dessa magnitude para juízes e procuradores na distribuição de riquezas em toda a pirâmide de renda do país.
Simulação feita com os dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2015 mostra que um aumento de 16,38% na remuneração de juízes,
Desembargadores, promotores e defensores públicos faria com que o Índice de Gini (uma medida de desigualdade) daquele ano subisse de 0,485 para 0,487.
Na escala, quanto mais perto de 1, mais desigual é o país.
“O aumento é pequeno, pois se trata de uma categoria que corresponde a menos de 0,03% do total de quase 90 milhões de pessoas ocupadas, mas não foi considerado o efeito cascata”, diz.
Ele se refere aos aumentos que se sucederão com o reajuste do teto do setor público. O vencimento dos ministros do STF limita as remunerações no funcionalismo e evita que servidores acumulem, por exemplo, salários e aposentadorias em valores acima dos atuais R$ 33.763. Se o teto subir, as remunerações também subirão.
O efeito sobre o Gini, no entanto, não é tão irrelevante quando se comparam os movimentos anuais do índice.
Entre 2014 e 2015, o Gini da população ocupada (olhando apenas a renda dos trabalhadores) caiu de 0,491 para 0,485.
Hoffmann usou os dados da Pnad de 2015 porque têm números estatisticamente mais robustos das categorias contempladas pelo reajuste.
Para o economista Carlos Góes, autor de estudos sobre desigualdade, o reajuste aos juízes no atual contexto econômico joga contra a agenda da redução da desigualdade.
Ele afirma que a brecha entre os trabalhadores ricos e pobres diminuiu nos anos 2000 graças a fatores como o aumento da formalização do mercado de trabalho e da expansão de programas focados nos mais pobres, como o Bolsa Família.
“No momento atual não temos essas forças compensando a pressão de aumento da desigualdade provocado pelo aumento [dos rendimentos] do funcionalismo”, afirma.
Neri afirma que o setor público deveria dar o exemplo no comprometimento com o ajuste fiscal, assumindo parte dos custos da limitação de gastos provocada pelo déficit bilionário nas contas públicas, de R$ 103 bilhões nos 12 meses encerrados em junho.
Alegando falta de espaço orçamentário, o governo reajustou o Bolsa Família neste ano em 5,67%. No ano passado, a correção foi de 12,5%, após um ano (2015) sem aumentos nos benefícios.
Já os ministros do Supremo tiveram o último reajuste em 2015, de 14,6%, e agora pleiteiam aumento de 16,38%.
“O ajuste fiscal é necessário e tem de ser generalizado”, afirma Neri. “O Judiciário tem sido um símbolo para o país, é importante sinalizar que a restrição é para todos.”
Para valer, o reajuste dos juízes tem de ser aprovado pelo Congresso, mas o Ministério do Planejamento já adiantou que, para contemplá-lo nos salários do funcionalismo em 2019, será necessário fazer uma nova LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias).
Isso demandaria um novo projeto de lei e uma nova votação no Legislativo. (Mariana Carneiro, Folhapress)
Foto Fellipe Sampaio