FHC: ‘Haddad é visto como marionete do Lula’

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Josias de Souza
Raquel Cunha/Folha

Num instante em que o PT começa a exibir Fernando Haddad na vitrine como virtual cabeça de chapa na corrida presidencial, o grão-tucano Fernando Henrique Cardoso grudou no potencial substituto de Lula a pecha de boneco: “Tenho uma boa relação pessoal com o Haddad. O que acho complicado é que ele está sendo visto como marionete do Lula. Um presidente tem que ter força própria para governar.”

A declaração foi feita em entrevista ao repórter Bernardo Mello Franco, veiculada na edição desta segunda-feira de O Globo. FHC repete com Haddad uma tática que empregara contra Dilma Rousseff. Na sucessão de 2010, o presidente de honra do PSDB chamara a então candidata petista de “boneca de ventríloquo”. Uma boneca cujos movimentos eram comandados por Lula.

Num artigo publicado em julho de 2010, FHC como que acomodara na cabeça de Lula um sombreiro. Insinuara que, à revelia do PT, o então presidente petista escolhera Dilma à moda dos velhos mandachuvas do mexicano PRI: no “dedazo”. Referia-se ao Partido Revolucionário Institucional, agremiação política que exerceu uma hegemonia longeva no México. Entre 1929 e 2000, todos os presidentes mexicanos eram do PRI. “O presidente indicava sozinho o candidato a sucedê-lo”, recordou FHC no artigo de 2010.

A diferença é que, em 2010, Lula estava inelegível porque acabara de concluir o segundo mandato consecutivo. Hoje, sua inelegibilidade decorre da condenação que amargou na segunda instância do Judiciário pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Preso em Curitiba, Lula tornou-se um candidato-fantasma à espera do provável indeferimento do pedido de registro de sua candidatura no TSE.

Perguntou-se a FHC se ele concorda com a pregação do PT segundo a qual “eleição sem Lula é fraude”. E ele: “Não. Vai haver eleição, e o PT vai concorrer. (…) O Comitê de Direitos Humanos da ONU declarou que o Lula deve ser candidato. Qual a base para isso? Querem que desrespeite as leis brasileiras? A lei é clara. Ele não tem, pela lei, a qualificação para ser candidato. Como é que o tribunal vai registrar?”

Na opinião de FHC, “há uma tentativa de desmoralizar o sistema.” Ele realça: “Quem sancionou a Lei da Ficha Limpa foi o Lula. Se você foi condenado em segunda instância, não está em condições de ser candidato. Tem que cumprir a lei.”

FHC considera improvável a reedição da polarização entre PT e PSDB na atual campanha: “O PT acha que o segundo turno vai ser Haddad e Alckmin. Eu acho que pode ser Bolsonaro e Alckmin”.

E se o PSDB ficar fora? “Não farei objeção a que o PT nos apoie”, respondeu o ex-presidente tucano. “Naturalmente, isso significa também que não haveria objeção ao contrário. Mas nós pensamos de forma diferente. O que acho é que isso deve se dar dentro de uma visão democrática.”

Indagado sobre a dificuldade de Geraldo Alckmin de alçar voo, FHC atribuiu o desempenho precário do presidenciável tucano não à fadiga de materiais do PSDB, mas à “poeira” levantada pelo fenômeno Bolsonaro. “A mídia presta atenção em tudo o que é novo ou extravagante. Quando surgiu o Bolsonaro, eu disse: Vai subir. Até que o Geraldo ultrapasse a poeira, é difícil. Mas ele sempre ultrapassou.”

Para enfatizar a suposta confiança que deposita no projeto de Alckmin, FHC evocou seu próprio histórico: “Em abril de 1994, eu virei candidato. Em maio, falei com a Ruth: Vou desistir. Eu tinha 12%, o Lula tinha 40%. As pessoas não acreditavam. Em agosto, comecei a crescer. Em outubro, ganhei no primeiro turno. É claro que tinha o Plano Real. Mas não é só o que você faz. É o que você fala. Tem que cacarejar.”

FHC empilhou qualidades que, a seu juízo, Alckmin poderia cacarejar: “O Geraldo ganhou várias vezes em São Paulo. Ele é médico, tem experiência, não enriqueceu na política, não é gastador. Tem que mostrar isso. Não basta ser simpático, tem que ser confiável.”

Recordou-se a FHC que um ex-colaborador de Alckmin, Laurence Casagrande, está preso preventivamernte sob a suspeita de ter patrocinado desvio milionário nas obras do Rodoanel. Sem levar as mãos ao fogo pelo preso, FHC concedeu um habeas-gogó ao correligionário: “São Paulo faz muita obra. É possível que funcionários tenham ganhado alguma coisa. Mas não vi nada indo para o Alckmin. Nada que possa prejudicar a imagem dele.”

A candidatura de Bolsonaro “assusta” FHC. Falta-lhe “experiência e a visão democrática de aceitar o outro com facilidade”, avaliou. “O pior, para mim, é que ele tem soluções simplistas e autoritárias. Eu não acredito nisso. Acredito que as coisas são complicadas e que você precisa convencer. Num país diverso como o nosso, como é que você governa sem capacidade de juntar?”

Provocado, FHC comentou a declaração de Marina Silva de que, se eleita, cogita governar com os melhores. “Tudo bem. Boa intenção ajuda. Especialmente no convento, na universidade… Na política, você tem que ter um certo grau de realismo. Gosto da Marina, me dou com ela, mas não acho que vá para o segundo turno. Ela tem pouco tempo de TV. Há uma certa fragilidade na candidatura, nela mesma. O povo sente isso.”

Tomado pelas palavras, FHC parece considerar que o erro de Marina não é o de tentar distinguir os bons dos maus. Seu problema seria a incapacidade de perceber que o Brasil só avançará se os bons tiverem maldade suficiente para impor sua bondade. “Ela tem uma causa, é aberta, mas falta um pouco de malignidade”, disse FHC, antes de arrematar, entre risos: “Esse negócio de ser presidente da República não é fácil. Eu não sei por que tanta gente quer…”

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