:Tereza Cruvinel
Eduardo Cunha sempre soube que se o pedido de cassação de seu mandato chegasse ao plenário, não conseguiria barrá-lo. Por isso jogou pesado no Conselho de Ética ao longo dos últimos oito meses e ainda tentará, com poucas chances, anular a decisão desta terça-feira, a favor da cassação. No calor da notícia, o Planalto dissimulou. Uns diziam que o desfecho será bom, trará estabilidade à Câmara. Outros diziam-se preocupados com o andamento das votações mas o que todos devem sentir é temor pela reação da fera ferida. Em reunião com os líderes na Câmara hoje Temer vai tomar o pulso da Casa. Na vertigem da crise vai sendo esquecido o fato de que Dilma Rousseff só foi afastada e enfrenta o impeachment porque o PT se recusou a votar contra a abertura do processo de cassação de Cunha no Conselho de Ética. Ato contínuo, ele acolheu o pedido de impeachment.
Ontem, aparentemente surpresos com o resultado da votação no Conselho de Ética, a recomendação palaciana era para que todos evitassem declarações até ser conferido “o tom” com que Eduardo Cunha reagiria. Ou seja, que avaliação ele fará do comportamento de Temer e dos peemedebistas do governo em sua hora crucial. O Planalto chegou a tentar uma atuação em seu favor mas foi dissuadido pela reação de alguns partidos de sua base. Deixou correr. Mais que isso, negou qualquer intenção do presidente interino de ajudar o aliado. Cunha vai tirar suas conclusões e elas ditarão sua reação.
Nas últimas 48 horas, além da derrota no Conselho, ele foi alvo de uma ação de improbidade, de uma ordem de bloqueio de seus bens pela Justiça Federal e de uma multa do Banco Central no valor de R$ 1 milhão por ocultação das contas no exterior. Sem falar no pedido de sua prisão preventiva apresentado pelo procurador-geral, e ainda não decidido pelo relator da Lava Jato no STF, Teori Zavascki. Diante do cerco, começarão as deserções nas fileiras de Cunha. Elas começaram com os dois votos decisivos no Conselho de Ética.
Tornou-se uma banalidade, repetida até pelos seguranças e garçons do Congresso, a previsão de que, se for preso, Cunha fará a mais retumbante das delações premiadas. Que levará consigo mais de 150 deputados, não sei quantos senadores, ministros e outros medalhões. Logicamente isso ameaça o Congresso e ameaça o governo Temer.
Mas se vier esta bomba atômica, ela pode redentora. No ponto a que a crise chegou, com o sistema político-partidário inteiramente comprometido pelo financiamento empresarial espúrio que turbinou a corrupção, com a presidente constitucionalmente eleita afastada por um golpe parlamentar aplicado com segundas intenções, e um governo ilegítimo rejeitado por ampla maioria da população, a derrubada das colunas podres que ainda estão de pé pode ser a porta para a restauração democrática. Um crash que pode propiciar um novo pacto entre a sociedade e sua elite política.
Ele poderia começar com a rejeição do impeachment de Dilma mediante uma carta-compromisso dela em favor do plebiscito em outubro sobre a realização imediata de nova eleição presidencial. Se a bomba de Cunha detonar fortemente o Congresso, seria o caso também de uma nova eleição parlamentar. Mas para salgar mesmo a terra corrompida, o recomeço teria que ser mais radical, incluindo a eleição de uma Constituinte exclusiva para reformar completamente o capítulo do sistema político-eleitoral, que a Constituinte de 1988 deixou praticamente intocado depois da ditadura. Pelo contrário, incentivou sua degradação, permitindo o surgimento da indústria dos partidos de aluguel.
Uma constituinte exclusiva seria composta por representantes do povo que, realizada a tarefa, não poderiam, por alguns anos, disputar mandatos eletivos. E sem estas pretensões, não legislariam para si mesmos nesta matéria (como os de 1988), mas para outorgarem à democracia brasileira uma oportunidade renascimento.
Gostem ou não da ideia, estamos nos aproximando do momento em que só a repactuação social permitirá uma saída.