Walter Campanato
Josias de Souza
Ao final de um dia em que travou com Michel Temer uma discussão típica de pátio de escola, Renan Calheiros leu para cinco colegas trechos de uma resposta que enviaria ao seu contendor. No texto, ainda manuscrito, o presidente do Senado referiu-se a Temer como “mordomo de filme de terror”. Anotou que o vice-presidente da República “mudou de profissão”. Agora, “é carteiro” —uma alusão à carta que Temer enviou a Dilma Rousseff, queixando-se de ser tratado como “vice decorativo”.
Divertiram-se com a leitura da mensagem de Renan a Temer os senadores Cássio Cunha Lima e Aloysio Nunes Ferreira, do PSDB; Agripino Maia e Ronaldo Caiado, do DEM; e Jorge Viana, do PT. Mais cedo, Renan criticara, em conversa com jornalistas, uma decisão tomada pela Executiva do PMDB. O partido vetara a filiação de deputados recrutados numa articulação apoiada pelo Planalto. Ingressariam no PMDB com o exclusivo propósito de compor uma maioria capaz de reconduzir o aliado Leonardo Picciani à liderança do partido na Câmara.
“Um partido democrático, que não tem dono, que se caracteriza por isso, fazer reunião para proibir a entrada de deputado é um retrocesso que deve estar fazendo o doutor Ulysses tremer na cova‘‘, estocara Renan.
Responsável pela convocação da Executiva, Temer respondeu por meio de nota oficial do partido. Primeiro, ecoou Renan: “É correta a afirmação de que o PMDB não tem dono.” Depois, alfinetou: “Nem coronéis.” E acrescentou: “O resultado apurado na reunião de hoje da Executiva foi de 15 votos a favor da resolução e dois contrários, resultado revelador de ampla maioria. Decisão, portanto, democrática e legítima.”
Temer abespinhara-se também com outro comentário despejado por Renan sobre os gravadores e microfones que o cercaram na sua chegada ao Senado. Ele lhe atribuíra parte da responsabilidade pela crise política que carcome a República. “O PMDB tem muita culpa”, dissera Renan. “Quando foi chamado para coordenar o processo político, do governo, da coalizão, o PMDB se preocupou apenas com o RH. Eu adverti sobre isso na oportunidade.‘‘
O alvo da crítica já estava explícito. Todos entenderam que Renan se referia ao período em que Temer respondera pela coordenação política do governo. Mas o senador fez questão de dar nome à crise: “O presidente Michel é o presidente do partido. Se alguém tem responsabilidade com relação a isso, é o presidente Michel.‘‘
Ainda não houve socos nem safanões. Mas a imagem de dois pró-homens da nação se ofendendo como garotos de escola já é deprimente o bastante. E não se diga que são adversários de pouca expressão. O presidente do Senado! O vice-presidente da República! Dois frequentadores da linha sucessória. Um considera que o correligionário não passa de um coronel da política, legítimo representante do arcaísmo. Outro avalia que o número dois de Dilma não passa de um político fisiológico, mais preocupado com o RH do balcão das nomeações do que com o interesse público. A plateia pode concluir que ambos têm razão.
A desavença transcorre sem um mínimo de refinamento, uma boa frase, um insulto mais elaborado… Numa evidência de que a batalha opõe egos inarticulados, a tréplica de Renan não é sequer original. Deve-se a Antonio Carlos Magalhães, o velho coronel do antigo PFL, a autoria do apelido que Renan voltou a pespegar em Temer.
Chamado pelas iniciais, ACM presidia o Senado, em 1999, quando se meteu numa guerra retórica com Temer, então presidente da Câmara. Os dois divergiam sobre o conteúdo de projetos que reformavam o Judiciário.
Incomodado com os ataques de ACM, Temer revidou: “Críticas de uma pessoa com a biografia do senador Antônio Carlos Magalhães, ligado ao Banco Econômico [à época sob intervenção do Banco Central], são para mim um elogio. O senador tem o mau hábito de avacalhar todo mundo. Comigo, não.” E ACM: “Avacalhado ele já é. Não me impressiona sua pose de mordomo de filme de terror.”
Na época em que Temer se acotovelava com ACM, Renan era ministro da Justiça do governo FHC. Repetindo: o coronel alagoano, hoje na alça de mira da Polícia Federal, da Procuradoria e do STF, comandava a pasta da Justiça. Agora, Renan faz pose de último esteio do governo Dilma no Congresso. Olha de esguelha para o impeachment e dedica-se a desqualificar a alternativa constitucional do PMDB. É como se Renan quisesse obter garantias de que, num hipotético governo Temer, continuaria desfrutando do privilégio de tratar o Brasil como uma Alagoas hipertrofiada.