Dilma Rousseff (Foto: Valter Campanato /Agência Brasil)
Deste governo há pouco a esperar, mesmo quando, movido pelas circunstâncias, tenta corrigir os rumos. Tanto quanto popularidade, falta-lhe credibilidade
Nas últimas semanas tenho dado entrevistas aos jornais e às TVs, talvez mais do que devesse ou a prudência indicasse. Por quê? A mídia anda à busca de quem diga o que pensa sobre o “caos” (a qualificação é oficiosa, vem da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República) em que estaríamos mergulhados e é necessário que vozes da oposição sejam ouvidas.
A crise atual marca o fim de um período, embora ainda não haja percepção clara sobre o que virá. Em crises anteriores, as forças opostas ao governo estavam organizadas, tinham objetivos definidos.
Foi assim com a queda de Getúlio em 1945, quando a vitória dos Aliados impunha a democracia; idem na segunda queda de Getúlio, quando seus opositores temiam a instauração da “República sindicalista”; o parlamentarismo, igualmente, serviu de esparadrapo para que Jango pudesse tomar posse; em 1964 as “marchas das famílias pela liberdade” aglutinaram as forças políticas aos militares contra o populismo presidencial e, posteriormente, se entregaram a práticas autoritárias; deu-se o mesmo, por fim, quando a frente de oposição, liderada pelo PMDB, em aliança com dissidentes da antiga Arena, pôs fim ao regime criado em 1964.
Em todos esses casos, previamente ao desenlace, houve o enfraquecimento da capacidade de governar e os opositores tinham uma visão política alternativa com implicações econômicas e sociais, embora se tratasse fundamentalmente de crises políticas.
Mesmo no impeachment de Collor, a crise era política e a solução idem. Naturalmente, ajustes econômicos foram feitos em seguimento às soluções políticas, basta lembrar a dupla Campos/Bulhões nos anos 1960. Ou ainda, os planos Cruzado e Real, que se seguiram à Constituinte e à derrocada de Collor.
No que se distingue o “caos” atual? Em que ele é mais diretamente a expressão do esgotamento de um modelo de crescimento da economia (como também em 1964 e nas Diretas Já), embora ainda não se veja de onde virá o novo impulso econômico.
Mais do que de uma crise passageira, o “caos” atual revela um esgotamento econômico e a exaustão das formas político-institucionais vigentes. Será necessário, portanto, agir e ter propostas em vários níveis.
Embora haja alguma similitude com a situação enfrentada na crise de Jango Goulart, nem por isso a “saída” desejada é golpista e muito menos militar. Não há pressões institucionais para derrubar o governo e todos queremos manter a democracia.
Explico-me: a pretensão hegemônica do lulo-petismo assentou-se até a crise mundial de 2008, na coincidência entre a enorme expansão do comércio mundial e a alta do preço das commodities, com a continuidade das boas práticas econômicas e sociais dos governos Itamar/Fernando Henrique Cardoso.
Essas práticas foram expandidas no primeiro mandato de Lula, ao que se somou a reação positiva à crise financeira mundial. Ao longo do seu segundo mandato, o lulo-petismo assumiu ares hegemônicos e obteve, ao mesmo tempo, a aceitação do povo (emprego elevado, bolsa-família, salário mínimo real aumentado) e o consentimento das camadas econômicas dominantes (bolsa BNDES para os empresários, Tesouro em comunicação indireta com o financiamento das empresas, Caixa Econômica ajudando quem precisasse).
Só que o boom externo acabou, os cofres do governo secaram e a galinha de ovos de ouro da “nova matriz econômica” — crédito amplo e barato e consumo elevado — perdeu condições de sustentabilidade.
Isso no exato momento em que o governo Dilma pôs o pé no acelerador em vez de navegar com prudência. Daí que o discurso de campanha tenha sido um e a prática atual de governo, outra. Some-se a isso a crise moral, na qual o Petrolão não é caso único.
As oposições devem começar a desenhar outro percurso na economia e na política. Como a crise, além de econômica e social, é de confiabilidade (o governo perdeu popularidade e credibilidade), começam a surgir vozes por “um diálogo” entre oposições e governo.
Problema: qual o limite entre diálogo político e “conchavo”, ou seja, a busca de uma tábua de salvação para o governo e para os que são acusados de corrupção?
A reconstrução de uma vida democrática saudável e uma saída econômica viável requerem “passar a limpo” o país: que prossigam as investigações e que a Justiça se cumpra. Ao mesmo tempo há que construir novos modos de funcionamento das instituições políticas e das práticas econômicas.
As oposições devem iniciar no Congresso o diálogo sobre a reforma política. Em artigo luminoso do senador Serra, publicado no “Estadão” de 26 passado, estão alinhadas medidas positivas, tanto para a reforma eleitoral como para práticas de governo.
Iniciar a proposta de voto distrital misto nas eleições para vereador em municípios com mais de 200 mil eleitores é algo inovador (o senador Aloysio Nunes fez proposta semelhante). Há sugestões de igual mérito na área administrativa, como a criação da Nota Fiscal Brasileira, e ainda a corajosa e correta crítica ao regime de partilha que levou a Petrobras a se superendividar.
De igual modo, o senador Tasso Jereissati apresentou emenda moralizadora sobre o financiamento das eleições, impondo tetos de doação de até 800 mil reais para os conglomerados empresariais e restrições de acesso ao financiamento público às empresas doadoras. Partidos que até agora apoiam o governo, como o PMDB, também têm propostas a serem consideradas.
Sei que não basta reformar os partidos e o código eleitoral. Mas é um bom começo para a oposição que, além de ir às ruas para apoiar os movimentos populares moralizadores e reformistas, deve assumir sua parte de responsabilidade na condução do país para dias melhores.
Deste governo há pouco a esperar, mesmo quando, movido pelas circunstâncias, tenta corrigir os rumos. Tanto quanto popularidade, falta-lhe credibilidade.
blog do noblat