Fachin defende revisão do Código Penal no país

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“O princípio da presunção de inocência é, quando menos, garantia constitucional que não pode nem deve ser relegada. Não significa, contudo, que há óbice ao legítimo aprimoramento da nossa legislação penal”, diz o ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal

Paraná 247 – O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, defendeu, em artigo publicado neste domingo, a revisão do Código Penal brasileiro. Confira a abaixo:

Prescrição criminal e impunidade

Projeto de lei do Senado que propõe alterar o Código Penal é uma contribuição para tornar processos criminais mais efetivos e racionais

Neste ano, foi apresentado ao Senado o Projeto de Lei 658, que propõe alterar o Código Penal para dar novo tratamento às regras de prescrição procurando eliminar algumas incongruências. A iniciativa do senador Álvaro Dias (PSDB-PR) é da maior validade para o debate sobre as garantias constitucionais, especialmente da não culpabilidade, e sobre a percepção de impunidade.

Considerando que a inspiração socrática para uma atuação como juiz sugere sempre diálogo, debate e problematização, colho esse viés para tentar contribuir, dentro do quadro da Constituição republicana, no cultivo de boas respostas aos graves quebra-cabeças que estamos enfrentando nesta matéria.

Na proposta, a prescrição da pena já estabelecida na sentença passa a fluir apenas quando já não cabem mais recursos tanto do acusado como da acusação. Hoje, quando o Ministério Público não recorre da sentença condenatória, por entendê-la correta, mas o acusado recorre, inicia-se a contagem do prazo, o que pode gerar uma situação de incoerência: o Estado ainda não pode executar a pena, que é provisória, todavia já tem contra si fluindo um prazo prescricional.

Situações concretas têm demonstrado que, não raras vezes, quando o Estado obtém uma sentença condenatória definitiva, após todos os recursos do acusado, não se pode mais executar a pena, porque a prescrição já se consumou. Se prevalecer a proposta de mudança, esse prazo terá início somente quando os recursos de todas as partes forem definitivamente julgados.

Propõe-se também alterar o Código Penal quando cuida das hipóteses de interrupção do prazo de prescrição. Atualmente, quando o Ministério Público se convence de que as suspeitas contra um acusado são plausíveis e formula contra ele uma acusação, pela lei, o prazo prescricional deve recomeçar a ser contado do zero. Entretanto, isso só ocorre depois que o Poder Judiciário decide receber a denúncia e dar início a um processo contra o acusado. O marco de hoje é o “recebimento” da denúncia.

No projeto, indica-se a substituição desse momento pelo do “oferecimento” da ação penal para evitar que, caso o Judiciário não promova o andamento processual a tempo, o trabalho prévio de coleta de provas e formulação da denúncia deixe de ser eventualmente inútil, dado que a prescrição pode incidir depois do oferecimento da acusação, mas antes da decisão de recebê-lo.

Na concepção apresentada há ainda outros aspectos. Cito um deles: evitar que se postergue intencionalmente a alegação de uma nulidade previamente identificada, para fazê-la em momento processual que se entenda conveniente, no qual a retomada do processo a partir do ato declarado nulo fulminaria a pretensão punitiva do Estado por causa da prescrição.

Isso gera custos desnecessários para o erário e alimenta a sensação de impunidade. E não é realmente um elemento racional dentro do sistema jurídico-criminal.

Parece-nos que o espírito da proposta em andamento no Legislativo é mesmo prestar um serviço à efetividade da prestação jurisdicional sem afrontar garantias constitucionais. A justificativa do projeto apresenta uma contribuição técnica à tarefa hercúlea de traduzir limites racionais determinados, tentando equilibrar direitos e deveres, enfim, liberdade e responsabilidade.

O tema parece do interesse da sociedade brasileira, e evidentemente do Supremo Tribunal Federal, inclusive porque é responsável, não só pelo julgamento de determinadas causas criminais, mas por conduzir o respectivo processo penal.

A procura pelo verdadeiro e fundamental ordenamento ético e jurídico para a sociedade brasileira não pode prescindir de ideias, propostas e debates transparentes, e assim de diálogos republicanos entre Judiciário e Legislativo, bem como de abertura permanente à sociedade.

O andamento dos processos, especialmente os criminais, é tema que transcende a mera técnica formal e, na compreensão das “raízes do Brasil”, como escreveu Sérgio Buarque de Holanda, o desafio, também nesse campo, é fazer com que o interesse público esteja acima dos interesses pessoais.

O sentimento de impunidade traduz a importância de esquadrinhar soluções para essa crise de valores. Estou certo de que a proposta em pauta tem algo a oferecer.

O princípio da presunção de inocência é, quando menos, garantia constitucional que não pode nem deve ser relegada. Não significa, contudo, que há óbice ao legítimo aprimoramento da nossa legislação penal.

LUIZ EDSON FACHIN, 57, é ministro do Supremo Tribunal Federal

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