Postado em 15 mar 2015por : Marcelo Zorzanelli
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O mundo discute a influência de grandes fortunas no processo democrático. Na última semana, o papa Francisco se posicionou contra esta prática, dizendo que “interesses” não podem influenciar candidatos. O escritor Luis Fernando Veríssimo dedicou crônica ao tema, citando o exemplo americano, onde a Suprema Corte deu, há pouco, ganho de causa o fim dos limites para doações.
A discussão vem de longe. Nos Estados Unidos, começou-se a falar no financiamento público em 1907. O então presidente Theodore Roosevelt recomendou-o para as eleições federais e o banimento das contribuições privadas.
O desejo de Roosevelt nunca foi atendido, como podem atestar os infames irmãos Koch, bilionários que financiam campanhas e lobbies conservadores há decadas. Muito embora metade dos americanos seja contra esta prática, de acordo com pesquisa Gallup de 2014. Só nas últimas eleições americanas, o Center for Responsive Poltics apurou que US$ 6 bilhões (R$ 18 bi de reais) saíram das mãos de instituições privadas para o bolso dos políticos. Como escreveu Mark Twain: “Temos o melhor Congresso que o dinheiro pode comprar”.
No livro Subdizing Democracy (“Bancando a Democracia”, em tradução livre), o cientista político americano Michael Miller analizou dados de estados como Arizona e Maine, em que o financiamento público parcial acontece desde aos anos 1990. Miller descobriu que o financiamento público muda o comportamento dos políticos: ” Eles têm maior interação com o público votante, uma vez que eles passam menos tempo tendo que frequentar rodas de empresários e mais tempo nas ruas ouvindo o povo”.
Na Noruega, não há propaganda em jornais e TVs e 74% do dinheiro das campanhas vem dos cofres públicos; na Suécia, o número sobe para 90%. No caso norueguês, o limite de gastos é regulado naturalmente com o banimento da propaganda na TV e no rádio.
Na França, há leis duras que são revistas ano após ano colocando um teto nos gastos. Lá, o financiamento por empresas é proibido. Pessoas físicas que queiram doar precisam respeitar um limite de 4,6 mil euros. O colaborador pode descontar dois terços do valor no imposto de renda.
O Brasil, como se sabe, é um bicho diferente. Atualmente, políticos e partidos usam dinheiro do Fundo Partidário, que é público, de pessoas físicas (até 10% da renda) e de empresas (até 2% do faturamento no ano anterior).
Precisamos do financiamento público total de campanhas? Ou uma mistura dos dois? Ele é a prioridade zero de nossa reforma política?
O DCM conversou com o jurista Luís Mário Caetano, professor da FACTHUS (Faculdade de Talentos Humanos) e autor do artigo Sobre o Financiamento Público de Campanhas, publicado na revista da Faculdade de Direito da UERJ.
O que o cenário das últimas eleições no Brasil conta a respeito da atual situação de financiamento de campanhas?
O financiamento por empresas privadas tornou-se claramente uma distorção no nosso sistema. Não é razoável defender que uma pessoa jurídica possa doar milhões de reais para vários partidos e acreditar no projeto de todos eles indistintamente. Felizmente isso foi debatido no Supremo Tribunal Federal e já há maioria a favor da inconstitucionalidade deste tipo de doação, é só questão de encerrar o julgamento e o financiamento por empresas privadas estará oficialmente extirpado do nosso mundo. [Nota do editor: O ministro Gilmar Mendes pediu vista do processo há quase um ano, impedindo que este termine de ser votado. A votação conta seis votos a favor da medida que proíbe o financiamento empresarial e um contra; além de Mendes, outros quatro ministros ainda não votaram.]
Quais as vantagens do financimento público em relação ao privado?
O financiamento privado de campanha, na visão dos defensores do financiamento público, fracassa porque existe na verdade um “empréstimo” por parte dos doadores, que cobram essa dívida, paga com o dinheiro público, após a eleição.
Acontece que as doações legais são todas declaradas, e, portanto, é muito fácil que você investigue se determinadas empresas estão sendo favorecidas ilegalmente ou não. O problema real, mesmo, é o caixa dois das campanhas, que nós temos uma dificuldade imensa em investigar.
Este dinheiro não passa pela conta do partido: sai do doador ilegal, geralmente por um laranja, e compra algo em favor da campanha: de uma passagem de avião à estrutura de um comício ou vídeo publicitário.
Como tudo o que é clandestino, o rastreamento desta verba é dificílimo de ser feito já que as autoridades não sabem nem por onde começar a investigação.
O senhor considera, portanto, mais importante limitar os gastos para combater o caixa dois do que aprovar o financiamento público total.
O financiamento ilegal em nenhum momento foi combatido. Se um partido ou candidato recebe um milhão de reais para uma campanha, mas pode gastar dois milhões, é realmente relevante que o primeiro milhão seja público ou privado para que o segundo milhão, ilegal, exista ou deixa de existir?
Isso fica ainda pior porque, na verdade, já existe, sim, uma ordem legal para que seja promulgada uma lei, em cada unidade federativa e em cada ano eleitoral, que limite os gastos dos partidos políticos por campanha (artigo 17-A da Lei 9.504/97).
Fica a pergunta: alguém já viu qualquer partido, grande ou pequeno, lutar por esta lei? Não tenho notícia. Como nunca vi alguém lutar pela promulgação desta lei, não consigo crer em uma real mudança na história, tão antiga quanto recente, de corrupção eleitoral brasileira.
Como fazer a limitação real dos gastos?
Cheguei a debater em artigo, com base nessa premissa, que deveriam ser eliminados os recursos criativos da publicidade, fazendo com que todas as campanhas permitidas sejam homogeneizadas.
Um candidato deveria ser colocado em frente à uma câmera, sem praticamente nenhum recurso publicitário, e falar diretamente com a população. Sem animações, sem atores, sem nada disso. É uma conversa franca, direta, com o eleitor. Desta forma, limitando-se os gastos de campanha formalmente e impedindo que fosse possível qualquer tipo de ato eleitoral fora alguns poucos simples e acessíveis a qualquer candidato, o caixa dois provavelmente seria mais bem evitado.
Como um político poderia fazer sua campanha se destacar num ambiente em que, hipoteticamente, os investimentos fossem nivelados?
Propostas, dados que provem o alegado e história de vida. O debate a respeito de como o adversário se sai nestes três temas também é muito válido. Todo o sistema eleitoral deve ser moldado de forma que só isso possa ser analisado pelo eleitor, seja ele qual for.
Sem filme, sem ator, sem “Dona Maria com os filhos na escola” e “Seu João que comprou a primeira casa”, personagens que não só ninguém conhece como são irrelevantes, porque sempre alguém, mesmo na pior crise possível, comprará a primeira casa ou terá um filho que estude. Reitero, porém, que não acredito em investimento nivelado sem limitação formal e material dos gastos de campanha.
Sem a ajuda de grandes empresas, de onde virá o dinheiro para financiar as campanhas?
Existem muitas propostas a respeito da origem da verba, e elas variam a respeito de utilizar algo que já existe, como o Fundo Partidário, criação do outro Fundo ou destacar o valor diretamente do orçamento da União.
A corrente que ganha força hoje, defendida pela OAB, CNBB e outras entidades, é a da criação de um fundo específico, Fundo Democrático de Campanha. As verbas que irrigariam o Fundo viriam do orçamento da União e penalidades administrativas e eleitorais.
Como as propostas de financiamento público existentes preveem a divisão dos recursos entre os partidos?
As propostas tendem a repartir a verba de forma a privilegiar aquele partido que consegue maior representação no Congresso, por exemplo. Será que isto seria razoável? Quando há este tipo de divisão, aquilo que você visava a combater, uma certa ordem instituída pelo poder financeiro, vai ser substituída pela ordem que pôde se valer da máquina pública para a sua manutenção no poder.
Aquele que já domina, portanto, terá muito mais recursos para continuar dominando.
Que espécie de democracia é essa que favorece aquele que está no poder a ali se perpetuar se, quando se debate os atos de equidade em um Estado Democrático de Direito, é para ajudar o mais fraco e não o mais forte?
Este panorama ainda é um fracasso duplo se você pensar que aquele que dominaria por já ter maior poder sobre a coisa pública é o mesmo que hoje já é privilegiado pelo dinheiro privado.
O financiamento público, sozinho, não ajuda a combater a corrupção?
Meu ponto principal é que o financiamento público de campanhas como forma de acabar com a corrupção é uma ilusão. Da forma como ele é defendido, simplesmente não há nada que ele vá fazer que o diferencie, hoje, do financiamento privado. Acredito, sinceramente, que com a limitação dos gastos, conforme explicado, quaisquer dos tipos de financiamentos dariam certo para este fim, e, aí, é questão de escolher qual seria melhor por outros motivos; sem o controle praticamente total de gastos, entretanto, ambos serão fracassados no combate à corrupção.
DCM