Josias Klayton Amorim
Josias de Souza
Klayton Amorim/UOL
O julgamento de um pedido de impeachment “é de natureza política”, ensinou o professor Michel Temer no livro Elementos de Direito Constitucional. Envolve um “juízo de conveniência e oportunidade.” Não se confunde com um processo judicial. “Foi para permitir esse juízo de valor que o constituinte conferiu essa missão à Câmara dos Deputados (que autoriza o processo) e ao Senado Federal (que julga). Não ao Judiciário, que aplica a norma ao caso concreto, segundo a tipificação legal.”
Impressa pela editora Malheiros, a obra traz uma “explicação” no lugar do prefácio. “Este livro é despretensiosa obra didática”, anotou o autor. “Visa, simplesmente, fornecer elementos de estudo para os alunos dos cursos de Direito Constitucional.” A despeito da desambição, Temer, hoje vice-presidente de uma República em crise, convive com a possibilidade de virar beneficiário do roteiro que dissecou no trecho do seu livro dedicado ao “crime de responsabilidade” —cinco das 232 páginas.
Previsto no artigo 85 da Constituição, o processo por crime de responsabilidade contra um presidente da República “se inicia na Câmara para declarar a procedência ou improcedência da acusação”, explicou Temer. “Se declarada procedente, far-se-á o julgamento pelo Senado”, ele acrescentou, didático. “Fala-se em acusação. Quem pode acusar o presidente da República? Todo cidadão no gozo de seus direitos políticos é parte legítima para oferecer a acusação à Câmara.”
Para enfatizar o seu ponto de vista sobre a diferença entre o juízo político do Legislativo e o julgamento técnico do Judiciário, Temer criou no livro uma cena hipotética. Ao julgar um presidente em fim de mandato acusado de cometer crime de responsabilidade, o Senado se convence da culpa do personagem. Mas decide mantê-lo no cargo para evitar uma conflagração social.
“Convém anotar que o julgamento do Senado Federal é de natureza política”, enfatizou Temer. “É juízo de conveniência e oportunidade. Não nos parece que, tipificada a hipótese de responsabilização, o Senado haja de, necessariamente, impor penas. Pode ocorrer que o Senado considere mais conveniente a manutenção do presidente no seu cargo. Para evitar, por exemplo, a deflagraçãoo de um conflito civil; para impedir agitação interna.”
Temer insistiu: “Para impedir desentendimentos internos, o Senado, diante de circunstância, por exemplo, de o presidente achar-se em final de mandato, pode entender que não deva responsabilizá-lo.”
Suprema ironia: o professor de Direito tornou-se vice de uma presidente que cujo mandato é questionado no início de sua vigência, não no fim. Cabe ao comandante da Câmara, Eduardo Cunha, estrela do PMDB de Temer, decidir se o pedido de impeachment deve ou não ser submetido ao plenário. Chegando ao Senado, a encrenca seria gerida por Renan Calheiros, outro correligionário de Temer.
Divulgada há dois dias pela Confederação Nacional dos Transportes, pesquisa do instituto MDA informou que o governo Dilma é aprovado por apenas por 7,7% do eleitorado. E 62,8% dos entrevistados desejam o impeachment da presidente. Isso num instante em que o TCU ameaça reprovar a contabilidade do governo referente ao ano de 2014. Algo que forneceria aos adversários do governo o pretexto para requerer o impeachment de Dilma.
Guiando-se pelos critérios de “conveniência e oportunidade” mencionados pelo professor Temer, alguém pode argumentar que uma presidente cuja credibilidade derrete com menos de sete meses de exercício do mandato talvez não reúna as condições políticas para se manter no cargo por mais três anos e cinco meses. Levado às últimas consequências, esse raciocínio faria do professor de Direito o próximo presidente da República.